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REVIE DA LITERATURA RUSSA PARTE 2 - FINISH HIM

Posted : 1 year, 3 months ago on 15 January 2023 11:12

ANÁLISE PROFUNDA:


O abismo que é a mente humana:

Depois de um tempo decidi fazer um remake de minha resenha sobre Memórias do Subsolo porque esta carecia de detalhes mais profundos, a verdade é que esse livro necessitaria de outro livro apenas para explica-lo, tal é a grandiosidade de seus temas, o genial Dostoievski logrou representar através dessa obra vários aspectos sobre a psique humana, desenvolvendo temas como Niilismo existencial, individualismo, egoísmo racional, depressão e um largo etc. O livro gira em torno de um personagem sem nome, mais conhecido como "narrador" ou simplesmente "O homem do subsolo" que se trata de um homem amargurado e mesquinho que decide se isolar em um subsolo passando toda a sua vida distante do mundo, perdido em seus próprios pensamentos onde divaga e escreve algumas coisas sobre a vida. Com esse livro, quis Dostoievski alertar o mundo sobre as ideias que estavam tomando conta do mundo ocidental, antecipando em várias de suas obras, vários movimentos, ideias e acontecimentos, sua obra permanece brutalmente atual e é quase um choque que ele tenha antecipado isso quase 200 anos antes. Passando por temas como comunismo, socialismo, utopismo e anarquismo, o livro do subsolo se concentra mais em torno dos aspectos do niilismo moral que é largamente atacado nessa obra.

Dando um panorama geral, Dostoievski em sua juventude participou de movimentos revolucionários anti-czaristas, sua mudança de mentalidade ocorre quando esteve prestes a ser condenado a enforcamento por conspiração, somado a sua dura e triste história, passando por momentos perturbadores como presenciar a morte de um estudante por um grupo niilista, experiência essa que o impactou profundamente, passando por várias reflexões durante seu tempo de prisão, Dostoievski finalmente percebe o problema que havia em sua filosofia e visão de mundo, é então que, frustrado pelo que presenciou e viu, veio a escrever textos totalmente contrários às ideias que estavam ganhando espaço na Rússia. Cabe esclarecer que grande parte dos pensadores revolucionários da época tiravam suas ideias diretamente do Ocidente fortemente influenciados pelos ideais marxistas e russeaunianos que estavam na moda até então. As discussões a respeito do niilismo na literatura ganha popularidade em 1862, quando Ivan Turgnev publica o seu melhor livro até então "pais e filhos" do qual os personagens discutem a respeito dessa nova ideia que estava se tornando popular nos meios acadêmicos e em especial entre os jovens.

O niilismo na literatura é um tanto antigo e é dotado da velha dúvida sobre a existência ou não de Deus, se Deus não existe então tudo é possível? Se não há Éden então poderíamos criar aqui na Terra o nosso próprio Éden? Os niilistas negam tudo, negam a ordem, a moral e todo conceito ou definição. Um dos pilares do niilismo é o egoísmo racional, essa filosofia prega que devemos maximizar os nossos interesses individuais de uma forma utilitária a fim de buscar a felicidade entre os indivíduos, que deves pensar apenas em ti mesmo, usando de qualquer artifício para lograr essa tal felicidade. Se não consegues enxergar o problema com essa filosofia então estás mau da cabeça. Muitas dessas ideias possuem suas raízes no determinismo racional que é outra corrente de pensamento igualmente errônea já que ignora os aspectos inerentes da natureza humana e reduzem tudo a números em uma tentativa de racionalizar cada aspecto de nossas vidas, até mesmo seu prazer ou dor, humor ou personalidade através de cálculos e da tecnologia, e isso como todos bem sabem evoluiu para o transumanismo que possui implicações ainda mais sinistras desde o ponto de vista filosófico, mas por hora me deterei a falar apenas sobre o egoísmo racional.

Dostoievski via com maus olhos essa ideia de egoísmo racional e considerava um perigo genuíno porque vejamos, glorificar o "eu" é uma ideia bastante perigosa se tomamos em conta de que possuímos falhas e que não somos absolutos, logo carecemos de vários conhecimentos e valores que são adquiridos apenas com o tempo e com outras pessoas, como os nossos pais, idolatrar o "eu" levaria as pessoas inevitavelmente ao egoísmo puro que nos jogaria em uma espiral de loucura e niilismo, basicamente seria algo como "dane-se o mundo, dane-se as pessoas, dane-se tudo e apenas importa a minha pessoa". Para Dostyevski, estaríamos caminhando para um princípio de individualidade extrema, de intensa autopreservação, de egoísmo pessoal, da vivência em função de si mesmo, desgraçadamente ele estava certo e tudo que apontou em suas críticas se intensificaria com o passar dos anos, ao passo que hoje há por ai centenas de pessoas como o homem do subsolo, a tecnologia tomou proporções gigantescas ao ponto de que as interações humanas diminuíram significativamente, tudo se dá através da tecnologia, as pessoas se tornaram mais individualistas e por consequência, mais solitárias e vazias. E estamos caminhando para que haja mais conforto, mais tecnologia, mais comodismo e mais individualismo e por consequência haveria certamente uma expansão de aberrações pelo mundo. Dostoievski acreditava que essa glorificação do "eu" tornaria as pessoas mais frias e por consequência o amor humano esfriaria, conectando com a passagem bíblica de Matheus 24:12 "o amor de muitos esfriará".

O mundo ia por um caminho do qual deixaria de lado a religião, contrastando com as ideias de Dostoievski que clamava pelo retorno às tradições, ele ao contrário acreditava no valor das relações humanas, da religião, do amor fraterno e incondicional, passando sempre em suas histórias a moral cristã e sobre o quão importante é "amar o próximo" não apenas por conveniência ou por esperar algo em troca de forma utilitária, mas sim para estabelecer uma melhor relação e um ambiente mais saudável e humano. "O amor ao próximo não pode sair de nenhum cálculo ou interesse próprio". É então que chegamos finalmente ao livro, o personagem do subsolo totalmente dominado por essa ideia de egoísmo racional, onde ele acredita que está em um nível superior por ter rejeitado a moral e de ter transcendido para um estado mais alto. Ele descreve a si mesmo como um "intelectual moderno", e bién é bem óbvio que hoje em dia estejamos submersos por intelectuais, cientistas e figuras públicas que pregam o individualismo extremo tais como "que podemos fazer o que quisermos pois não há consequências" eu posso ser um hedonista degenerado ou um pervertido libertino e não há problema porque afinal a sociedade que se dane, não tenho que me preocupar com os outros porque sou mais importante que tudo e tudo gira ao redor de mim, acabo de descrever uma parcela significativa da população.

Como mencionei anteriormente vários intelectuais russos estudaram na Europa e importaram essas ideias para o resto do mundo, um desses foi Nikolay Chernyshevsky, outro desses idealistas utópicos que acreditava em sociedades perfeitas regidas pelos cálculos e pela tecnologia tendo como Deus, a ciência e seus livros estão dotados de ideias russeaunianas de que o meio que corrompe o homem e não o homem em si que já é corrompido, ideia essa que já expliquei melhor em minha resenha de "os demônios". Retornando a Chernyshevsky, este compartilhava da ideia de Rousseau de que o homem é naturalmente bom e receptivo da intelectualidade e que se fôssemos regidos pela razão, alcançaríamos a sociedade ideal, a sociedade utópica onde tudo é calculado e que não há sofrimentos ou tristezas e que mesmo essas emoções poderiam ser solucionadas pela tecnologia(drogas, pornografias, realidade virtual ou qualquer coisado tipo) alcançando um estado de individualismo onde o homem não teria capacidade de cometer o mal pois estaria perfeitamente feliz e preservado de dores ou quaisquer mal, um pensamento utópico que continua sendo utópico porque bruh a realidade. Sobre o pensamento utópico e o pensamento messiânico eu já abordei em minha resenha de "Os demônios", mas pincelando um pouco diria que o que torna o pensamento utópico impraticável é justamente a sua natureza idealista que a isola do espaço tempo, sendo algo que está além das condições humanas, por mais que tenhamos tecnologias, continuamos cometendo erros, por mais que tenhamos a ciência, ainda sim não somos perfeitos e sempre haverão guerras, conflitos e discordâncias de pensamento porque o ser humano não pode ser definido por cálculos, somos de certa forma instáveis e imprevisíveis.

Tentar impor a todos um sistema onde tudo é previsível e calculado é impossível, mesmo materialmente já que, não há como prever desastres naturais, guerras e revoltas, o momento atual é uma prova disso, ninguém conseguiria prever uma pandemia ou uma guerra na Europa. O que está mau com esse pensamento de Chernyshevsky é que também nos condiciona a um estado de mediocridade já que se todos formos iguais não haverá graça alguma, a vida se tornará monótona e com toda certeza do mundo haveria alguém para desafiar o status quo. Em seu romance Chernyshevsky idealiza o "palácio de cristal" que representa a conquista da excelência da humanidade, um lugar onde todos os problemas do mundo seriam resolvidos e que se seguíssemos esse caminho, a humanidade teria seu próprio palácio de cristal, dando abertamente um argumento contra o livre arbítrio, analisemos que se tudo pode ser determinado e que sigamos esse modelo determinista, automaticamente perderíamos nosso livre arbítrio e por consequência nossa individualidade, logo esse sistema entraria em um paradoxo incalculável. Para refutar essa ideia, Dostoievski em seu livro "memórias do subsolo" usa o homem do subsolo para demonstrar como essa filosofia de egoísmo racional peca ao desconsiderar toda a natureza humana.

Dostoievski acreditava que o ser humano era falho e que sempre tenderá à irracionalidade, que é instintiva e intuitivamente destrutivo e violento, que apenas a fé cristã é que poderia ajudar a humanidade a dominar o caos e os impulsos. Essa ideia é largamente explorada em seu outro romance "Irmãos Karamazov"(do qual já fiz uma resenha) através do personagem de Starietz Zósima que acreditava que apenas domando os impulsos e o egoísmo é que poderíamos amar verdadeiramente as pessoas "o jejum, a oração e a devoção são os únicos caminhos para a verdadeira liberdade, o domo e o flagelo da vontade egoísta é o que transforma o ser humano em um ser dotado de amor e compaixão". As ideias utópicas que Dostoievski tanto criticava terminaram se tornando regra quando houve o apogeu dos ideais comunistas e do liberalismo social democrata, que deu origem a várias atrocidades cometidas durante o século 20. A ideia de criar uma sociedade perfeita sem a figura de Deus resultou em dezenas de massacres, pobreza, guerras, mortes, niilismo, ateísmo, imoralidade e genuína deturpação do gênero humano ao ponto de que quase todas as abominações que vemos hoje em dia é fruto direto da falta de Deus e desse pensamento inconsequente e niilista, a ascensão do materialismo trouxe consigo diversos problemas como o aumento descontrolado de suicídio, depressão, ansiedade, hedonismo e etc. Chegou a um certo ponto em que algumas pessoas não são capazes de entender o problema que há em se degradar em vícios.

Passando para o personagem, O homem do subsolo é um anti-herói, funcionário público que vive de sua aposentadoria em seu subsolo, amargurado, triste e solitário sem nenhum amigo ou esposa, odiando a si mesmo em um lugar apertado com alguns ratos e insetos de companhia, tomado por um ar claustrofóbico onde passa anos de sua vida ouvindo as pessoas conversarem, escrevendo em seu diário. "Sou um homem doente, sou rancoroso.. sou um homem pouco atraente. Acho que meu fígado está doente... Não, me recuso a consultar um médico por despeito... Meu fígado está bem ruim... Bom, deixe piorar" somos introduzidos a um personagem triste e emocionalmente quebrado onde o autor irá explorar sua mente através de um detalhado monólogo interno do personagem. Ele vive de escrever para um público que não existe, se auto despreza constantemente, tal é seu grau de alienação que mente para si próprio e para os seus supostos "leitores" dizendo as vezes que é incapaz de se definir, tendo que inventar algumas características, como de que ele é "rancoroso, mal, egoísta" como dito pelo mesmo:

“Na realidade, eu nunca poderia me tornar rancoroso. Eu estava consciente a cada momento em mim de muitos, muitos elementos absolutamente opostos a isso... eu sabia que eles estavam fervilhando em mim toda a minha vida e desejando alguma saída de mim, mas eu não os deixaria... de propósito não os deixaria vir Fora. Atormentaram-me até me envergonhar: levaram-me a convulsões e – enfim, adoeceram-me, como me adoeceram!”

entre algumas aspas, poderíamos dizer que o objetivo do homem do subsolo é conseguir definir ou moldar o seu caráter sendo ele uma mistura de emoções caóticas e conflitantes, uma genuína busca por si mesmo, ele não sabe quem é e sabe que o seu estado normal é não saber quem é, não atoa ele carece de nome no livro. Para fugir da sua realidade miserável, o homem do subsolo busca refugiar-se em livros e em histórias fantasiosas, uma espécie de escapismo que ele usa para fugir de seus problemas. Até este ponto encontramos alguém emocionalmente quebrado e com sérios problemas psicológicos, alguém afundado em um abismo mental, incapaz de se auto reconhecer, isolado das pessoas que ele considera inferiores a ele, em outras palavras ele é um hikikomori, que em japonês se refere a alguém com problemas de socialização e que passam boa parte do seu tempo em casa, longe do mundo e das pessoas, distantes e inertes em seus próprios pensamentos. Esse tipo de pessoa sabe de sua condição, coisa que a envergonha profundamente e para esquecer desses problemas eles buscam refúgios em coisas como jogos, livros de fantasia, filmes ou animes, as vezes até em coisas mais baixas como pornografia, porque dá ao indivíduo um certo alívio nessa montanha de sentimentos ruins e melancólicos. “Todo homem tem reminiscências que não contaria a todos, mas apenas a seus amigos. Ele tem outros assuntos em mente que não revelaria nem aos amigos, mas apenas a si mesmo, e isso em segredo. Mas há outras coisas que um homem tem medo de dizer até para si mesmo, e todo homem decente tem muitas dessas coisas guardadas em sua mente. Quanto mais decente ele for, maior será o número de tais coisas em sua mente.”

Nessa parte o homem do subsolo se refere aos nossos demônios internos, nosso medos e aflições, coisa da qual todos temos e sempre teremos, medo da morte, medo da rejeição, da solidão e do desprezo ou da humilhação, no caso do protagonista ele foi dominado pelos seus demônios internos. Sua tragédia consiste em que ele deixou o convívio social, se isolou do mundo por um medo obscuro de ser rejeitado ou de ser mau visto, estando sempre racionalizando cada passo entrando em um abismo de pensamentos, que Dostoievski nomeia de "hiperconsciência" se trata de um estado de espírito onde o indivíduo não consegue conceber nada além de seus pensamentos, estando quase que inteiramente absorto em suas ideias por várias horas do dia, é uma pessoa que pensa demais em coisas que não deveria pensar. O protagonista é uma vítima da hiperconsciência e está sempre antecipando coisas em sua cabeça, prevendo reações e temendo que tudo dê errado, ele pensa tanto que não consegue entender ninguém nem ele mesmo, sendo esmagado pelas suas inseguranças e medos internos.

Para ignorar o que lhe acontece, o homem do subsolo cria para si mecanismos de defesa e autopreservação, está sempre arrumando desculpas toscas para si mesmo, justificando suas tolices através de mentiras que ele conta para si mesmo, que "não fiz tal coisa porque Deus me impediu" ou "só não vou lá porque não vai me trazer nenhum benefício". Dostoievski nos dá a analogia do muro, quando enfrentamos uma dificuldade que é impossível de ser solucionada, ou seja, um muro em nossa frente, somos incapazes de derrubar o muro com a força própria, uma vez que ele não consegue derrubar o muro então ele passa a pensar e pensar muito, retornando ao tema da hiperconsciência “É claro que não posso romper a parede batendo minha cabeça contra ela se realmente não tenho forças para derrubá-la, mas não vou me conformar com ela simplesmente porque é uma parede de pedra e não tenho força . Como se tal parede fosse realmente um consolo…”. Em poucas palavras, o homem do subsolo está preso em seus próprios pensamentos infinitos, diante do muro que ele não vai derrubar.

“Eu não sabia como me tornar nada; nem rancoroso nem bondoso, nem patife nem homem honesto, nem herói nem inseto. Agora, estou vivendo minha vida no meu canto, zombando de mim mesmo com o consolo rancoroso e inútil de que um homem inteligente não pode se tornar nada seriamente, e é apenas o tolo que se torna qualquer coisa.”

Mais uma vez o livro ressalta a busca do personagem pela identidade própria, o homem do subsolo encontra consolo porque é mais esperto que todos ao seu redor porém, socialmente estão todos bem acima dele. A sua vaidade e narcisismo o leva a menosprezar todos ao seu redor, mas ele não consegue viver em paz sem que saibam que ele é superior e acaba caindo em autodesprezo quando percebe que todos o tratam com indiferença. Apesar de ninguém odiá-lo realmente, ele cria em sua cabeça a noção de que todos detestam e menosprezam ele, o apelido que ele dá a si mesmo de "rato" “O rato sem sorte consegue criar em torno de si tantas outras maldades na forma de dúvidas, emoções e desprezo que lhe são lançados pelos homens de ação diretos… acenar com a pata e, com um sorriso de desprezo assumido em que nem ela mesma acredita, rasteja vergonhosamente em sua toca de rato. Ali, em sua repugnante, fedorenta, casa subterrânea, nosso camundongo insultado, esmagado e ridicularizado prontamente se absorve em despeito frio, maligno e, acima de tudo, eterno. Por quarenta anos juntos, ele se lembrará de sua lesão até os menores e mais ignominiosos detalhes, e cada vez acrescentará, por si mesmo, detalhes ainda mais ignominiosos, provocando e atormentando-se maldosamente com sua própria imaginação.”

O homem do subsolo é uma pessoa morta em vida, que não conseguiu ascender nem socialmente nem financeiramente devido o seu isolamento e temperamento arrogante e narcisista que só consegue encontrar prazer no seu atual estado de desesperança e desespero. E ele entende que as pessoas não entenderão o que ele sente e sempre o tratarão com indiferença “O que quer que tenha acontecido, aconteceu de acordo com as leis normais e fundamentais da consciência intensificada e por uma espécie de inércia que é uma consequência direta dessas leis, e... tentar."

Além disso o homem do subterrâneo é um sádico que consegue encontrar prazer no sofrimento, ele sofre e sente dor para que os outros ao redor dele sofram também, uma espécie de condição onde o indivíduo com ódio extremo termina causando dor a si mesmo em busca de chamar atenção, confessando que ele é um masoquista “Senti uma espécie de deleite secreto, anormal, desprezível, quando, ao voltar para casa numa das noites mais sujas de Petersburgo, percebia intensamente que, novamente, eu havia sido culpado de alguma ação covarde naquele dia… e interiormente, secretamente, eu Eu ficava me importunando, me preocupando, me acusando, até que finalmente a amargura que eu sentia se transformou em uma espécie de doçura vergonhosa e condenável e, finalmente, em verdadeiro prazer positivo! Sim, em deleite! … A sensação de prazer estava lá apenas porque eu estava tão intensamente consciente da minha própria degradação .” É uma condição onde o sujeito passa a amar a sua própria degradação, ao ponto de sentir prazer nela, não há como racionalizar isso, é apenas o reflexo e uma demonstração do quão quebrado está o nosso protagonista.

O homem do subsolo ao perceber que está perdido em um determinismo gerado pelo egoísmo racional, ele termina praticando uma espécie de auto sabotagem onde ele acredita que não há nada que ele possa fazer para mudar ou melhorar. Enquanto sua mente lhe proporciona a racionalidade e o livre arbítrio, ela também lhe joga em um abismo, esse abismo é o determinismo, ele tem ciência de que não irá melhorar nem mudar e é então que sua mente se torna ao mesmo tempo, a sua amiga e a sua principal inimiga. O homem do subsolo acredita que o homem nunca se acostumará com o determinismo e que sempre estará disposto a sacrificar os seus comodismos pela livre escolha. O protagonista é contra o racionalismo, mas não contra a racionalidade, ele acredita que o racionalismo nos guiará para um sistema monótono onde perderíamos o nosso livre arbítrio, e que no fundo isso jamais aconteceria, pois as pessoas não se conformariam com o mesmo a vida inteira. É aqui que a visão do autor do livro fica mais clara já que Dostoievski é contra essa ideia de que a racionalidade e o progresso trazem mais felicidade aos seres humanos, no fim ele estava certo já que nunca em toda a história tivemos índices tão altos de suicídios e depressão. Durante a prisão na Sibéria, Dostoyevsky observou que muitos dos seus colegas enlouqueciam de propósito. Este ponto implica que a filosofia egoísta racional teria que levar em consideração a ação humana e sua imprevisibilidade, refutando toda a ideia por trás.

“O homem gosta de fazer estradas e criar, isso é um fato indiscutível. Mas por que ele tem um amor tão apaixonado pela destruição e pelo caos também? … Não será que ele ama o caos e a destruição… porque tem medo instintivo de atingir seu objetivo e completar o edifício que está construindo? Quem sabe, talvez ele só ame aquele edifício de longe, e não o ama de perto; talvez ele apenas ame construir e não queira morar nela... De fato, o homem é uma criatura cômica; parece haver uma espécie de brincadeira em tudo isso…”
Aqui o autor explora a nossa relação com os objetivos e metas, sobre temer concluir algo e esse algo não satisfazer por completo, gerando um gosto amargo, somos por natureza ingratos e nunca estaremos totalmente conformados com a realidade. O autor do livro também diz que jamais o homem renunciará ao sofrimento e que somos amantes do sofrimento.

Ao final de contas, quão bom é esse livro? Bom, apesar de contar com apenas um personagem, ignorando os secundários que não possuem caracterização e existem apenas para nos demonstrar o quão quebrado o nosso protagonista está. O personagem principal é fantástico a nível de escrita e é um dos personagens mais complexos já escritos, possui vários questionamentos, inseguranças, medos, ideias, dilemas e uma genuína exploração em sua psique, Dostoyevsky tem um dom para escrever personagens psicológicos, tenho pouquíssimo do que criticar e tirando o fato de que o protagonista não possui um contraponto ou um bom final, ainda considero esse um dos melhores e se não o melhor, estudo de personagem jamais escrito e finalizo com:


9/10

CRIME E CASTIGO(1866):Sua obra mais popular e uma das mais marcantes, sendo o primeiro dos 5 romances da maturidade, que foi quando Dostoiévski saiu da prisão na Sibéria e voltou a escrever. Seu primeiro romance fora da prisão conta a história do estudante de direito Rodion Romanôvich Raskolnikov que vivendo na miséria é obrigado a abandonar o curso e seguir outra profissão, desesperado e com delírios de grandeza se achando o sucessor de Napoleão termina matando uma velha usurária para tomar-lhe o dinheiro para prosseguir na faculdade de direito. O primeiro aspecto que podemos mencionar dessa obra é em relação ao sentimento de culpa e a ideologia de Raskolnikov.

Sendo Raskolnikov um rapaz inteligente e bonito, ele não aceita sua condição e movido pela ideia de que os grandes homens podem superar o sistema moral vigente e criar o seu próprio. Termina ele caindo em uma espiral de culpa por ter se permitido cometer tal atrocidade, revelando que ele ainda estava inclinado na moral cristão e por consequência estava arrependido. Sua falta de esperteza termina entregando aos policiais que ele era o criminoso, no fim ele é pego e enviado à prisão, lá ele se arrepende do seu crime com uma cena final abraçando sua amada(Sonya) que é simbolicamente a representação da virgem Maria redimindo os pecados.

O livro é um dos mais interessantes do autor, ao girar em torno de um crime e de investigação policial ala Sherlock Holmes só que desde a perspectiva do criminoso, Raskolnikov é um personagem bastante psicológico(como todos dele) e está bem justificado como protagonista já que tinha necessidade de fazer o que fez, óbvio que o livro não justifica de forma moral o que ele fez, apenas de forma racional pois seria ridículo dizer que alguém merece morrer apenas porque é usurário, uma motivação parecida com a de Kira, de que gente merda merece morrer, a diferença é que o Kira queria fazer para melhorar o mundo, Raskolnikov queria por um desejo egoísta, o que não justifica de todas as formas já que dá razão ao pensamento de que "posso prejudicar os que sofrem menos que eu" raiz de todos os erros humanos, em poucas palavras, a inveja.

É interessante alguns criticismos sobre o livro, de que dá mensagens ruins ao redimir um criminoso dizendo que todos os criminosos podem se arrepender e carregam a culpa dentro de si ou que mostra personagens que são inclusive mais pobres que Raskolnikov e não cometeram nenhum homicídio. O problema com esses criticismos é evidente, primeiro de tudo, o livro não está dizendo que todos os bandidos possuem redenção e que carregam consigo a culpa do que fizeram, a própria história mostra no personagem de Svidrigailov, um sujeito tal como Raskolnikov, que matou, estuprou e cometeu várias atrocidades e não se arrepende de absolutamente nada, seu estado de degradação não tem mais solução e o personagem é um alerta para Raskolnikov. Sobre o segundo criticismo, não é porque existem pessoas miseráveis que estas serão assassinas como Raskolnikov, se fosse o caso estaríamos em maus lençóis.

O livro é muito bom mas seu final deixa a desejar e possui um Time Skip que ignora a redenção de Raskolnikov na prisão, todavia é um livro nota;

8/10

ANÁLISE PROFUNDA:


Crime e Castigo, de Fyodor Dostoiévski, publicado em meados de 1866 e considerado um dos livros mais importantes da literatura mundial, por que exatamente? Se conhecem a obra de Dostoievski provavelmente devem saber que no geral a temática de suas histórias são bastante similares, em especial os 5 livros da maturidade(os demônios, irmãos Karamazov, o idiota, crime castigo e o adolescente) sempre envolvendo coisas como assassinato ou problemas familiares, coisas que em grande parte eram reflexo das condições precárias em que se encontrava a Rússia, situações que ele também presenciou e viveu em sua vida pessoal. Sua obra foi imortalizada por alguns fatores, dentre eles; por ser um autor bastante psicológico, que é conhecido por escrever personagens ricos em psicologia como visto em "Memórias do Subsolo" e em "Sonho do homem ridículo" com algumas exceções, quase todos os protagonistas de Dostoievski possuem uma profunda psicologia, reflexo de seu talento e profunda sensibilidade, apesar de que não é bom com finais, ele certamente sabe como escrever um personagem interessante com o dilemas filosóficos e éticos. E esse é o caso de Rodion Românovich Raskolnikov, protagonista de Crime e Castigo, do qual é precisamente um dos personagens mais complexos escritos por Dostoievski, ao lado do homem do subsolo, possui uma extensa exploração temática que envolve temas como a moralidade, o sofrimento, a moral, o niilismo e etc.

Raskolnikov é um estudante de Direito, que ao ver sua família indo a falência, tendo problemas sérios de ordem financeira, não consegue continuar sua faculdade e acaba desistindo, entrando em um estado de tristeza e melancolia onde, após escutar uma conversa, surge-lhe a ideia de matar uma velha usurária e ranzinza, chamada Ivanovna. Raskolnikov tomado por um senso nietzschiano, planeja mata-la e roubar-lhe o dinheiro para ajudar sua família. Ao concretizar seu plano, ele entra em um estado de paranoia, medo e culpa que como veremos, é o que termina entregando sua culpabilidade no caso. É interessante salientar que Raskolnikov é fortemente influenciado por uma filosofia utilitária e niilista que em poucas palavras, seria o übermensch de Nietzsche, a ideia de que os grandes homens podem destruir a moral vigente e impor a própria moral através da força, é algo que cruza diretamente com a filosofia de Nietzsche, é importante lembrar também que Dostoievski escreveu seu livro antes dos livros de Nietzsche sobre o assunto. A figura histórica que guia Raskolnikov e sua filosofia é Napoleão Bonaparte, que impôs em boa parte da Europa, a sua filosofia e os ideais da revolução francesa. Nosso protagonista é essencialmente um ateu e materialista que partilha dessas ideias de que foi injustiçado e que tem que ser recompensado pelos danos que sofreu durante a vida.

Os personagens ao redor do drama de Raskolnikov são; a sua mãe(Pulcheria), Dunya, sua irmã e sua versão feminina só que mais empática e não partilha das ideias de seu irmão, temos Marmeladov que é um amigo de Raskolnikov, bêbado e alcóolatra, consciente de que sua família está passando por dificuldades financeiras apenas ignora esse problema e passa a vida como ébrio, hedonista e boêmio. Temos também Sonya, filha de Marmeladov, precisa se prostituir para manter a família, tendo uma forte fé no cristianismo, temos Razumikhin, outro amigo de Raskolnikov. O grande dilema do personagem gira em torno de que se suas ações foram benéficas ou não, já que ele acreditava que estava fazendo um bem ao mundo livrando-se de alguém ruim e se beneficiando disso, vale ressaltar que Ivanovna, a mulher que Raskolnikov matou, era uma avarenta que batia na irmã, irmã essa que possuía deficiência mental. Por aí entramos em uma discussão se "pessoas ruins devem ser mortas" ou "se devo me apropriar das coisas alheias, se essas precisamente não estão sendo usadas de forma correta?" esse segundo questionamento é mais importante filosoficamente, pois é a base do pensamento marxista, se analisarmos que o comunismo é um sistema de ideias baseado na redistribuição de bens afim de alcançar a igualdade ou uma pretensa "justiça", é movido por essas ideias que Raskolnikov comete o crime. De modo que, seria justo assassinar pessoas se isso me beneficia materialmente?

No entanto, mesmo movido por ideias ateias e materialistas, Raskolnikov termina assolado pela culpa que pesa sobre sua consciência, admitindo não ser o que acreditava ser, ou seja, ele entende que não era nenhum "Napoleão" e que sua mente ainda estava presa aos fundamentos cristãos e não podia ignora-los, ao fim das contas a mulher a quem ele matou era "um ser humano" e que segundo ele mesmo "não matei Ivanovna, matei a mim mesmo naquele momento" trazendo aquela velha questão a respeito da culpa. Dostoievski acreditava que a culpa e o estresse, eram mais pesados que a condenação jurídica. Cometendo uma sucessão de erros, Raskolnikov consegue chamar para si a atenção dos investigadores, escondendo as coisas que roubou, tem febre e adoece constantemente devido a culpa que sentia. Passando por acontecimentos não tão importantes, Raskolnikov acaba caindo na mira de Porfiry Petrovich, que através de alguns jogos mentais com Raskolnikov, esse termina descobrindo que ele era o responsável pelo crime. Essa parte em específico do livro, é uma das mais divertidas e me lembrou bastante de Death Note, Porfiry é como um L, no entanto não possuía provas para incriminar Raskolnikov, deduziu tudo baseado nos pensamentos e nas atitudes do protagonista que pelo nervosismo e falta de atenção cai no jogo do investigador. Mais tarde após confessar seus crimes e de ter sido condenado 8 anos de prisão na Sibéria, Raskolnikov passa a ter delírios severos onde acredita ter profetizado uma doença que devastaria o seu país e que convertia as pessoas em loucas que acreditavam apenas em si mesmas, basicamente previu o Twitt3r.

Fora brincadeiras, temos esse epílogo que seria basicamente um alerta de Dostoiévski para uma futura revolução, revolução essa pautada no ateísmo, materialismo e no desprezo ao passado, sabemos que Dostoiévski não era nenhum profeta, apenas um bom observador que sabia a mentalidade e os rumos que o povo russo estava tomando até então. Com Raskolnikov se converte ao final e se declara para Sonya, tendo de forma implícita, um final de redenção e uma mensagem positiva no final. Podemos dizer que o que se passa com Raskolnikov é parecido com que disse o psiquiatra Robert Langs, que define as diferenças entre o discurso e a conduta com o consciente da pessoa, recordam esses jovens edgy de internet que falam abertamente em matar e cometer crimes mas são todos incapazes de colocar em prática? Bién, em seu íntimo, Raskolnikov sabia que o que havia feito era errado e que havia violado os limites da natureza, fazendo-o soltar pistas propositalmente para a polícia. Meu maior problema com esses ateus radicais como Dawkins que pregam ideias de anulação do trascendente e dos valores superiores é inteiramente representado no dilema de Raskolnikov "se não há Deus então eu posso fazer o que eu quiser e nada me impede" é exatamente esse tipo de mentalidade que levou tantas atrocidades no curso da história.

Assassinato é errado? É maligno? Quase todos responderiam que sim, mas agora farei uma pergunta mais difícil: como você sabe? Sei que você acha que o assassinato é errado, mas como você sabe disso? Se eu te perguntar como você sabe que a terra é redonda, você me mostraria fotos, tiradas do espaço, ou me ofereceria dados mensuráveis; mas que tipos de fotos ou dados você pode dar que provem que assassinato, estrupo ou roubo são errados? A verdade é que não dá para fazer isso. Embora existam fatos científicos, não existem fatos morais sem Deus. Em uma sociedade secular, apenas opiniões morais podem existir. Podem ser opiniões pessoais ou da sociedade, mas não passam disto. Todo filósofo ateu que eu li reconheceu que, sem Deus, não há moralidade objetiva. Os valores judaico-cristãos são baseados na existência de um Deus moral. Ou seja: assassinato só é errado se houver um Deus que diga isso; caso contrário, toda moralidade não passa de uma opinião. Toda a civilização ocidental é baseada neste princípio.

"o mal no mundo é a ausência de Deus" Santo Agostinho

Agora falando dos aspectos técnicos, o quão bom é esse livro? Comparado com Memórias do Subsolo ou Irmãos Karamazov é inferior em qualidade, mas não quer dizer que seja medíocre, muito pelo contrário, a primeira parte do livro possui uma das mais complexas explorações psicológicas que já vi, rivalizando com Evangelion em nível de detalhe e dilemas, é direto ao ponto e agradável de ler, possui esse tom germanista misturado com realismo russo que dá uma combinação interessante. Os personagens secundários não são tão profundos como Raskolnikov, apesar de que são interessantes por sua lore interna, personagens como Porfiry, Sonya, Svidrigailov e Dunya são interessantes em conceito, no entanto quem rouba a cena é de fato Raskolnikov. O protagonista, como eu já disse, é sumamente complexo e mais que isso, está bem justificado e enfrenta sim um carma. Li alguns criticismos toscos a respeito do livro dizendo que Raskolnikov não teve o seu carma e que a mensagem final de redenção é vazia e pretenciosa e sendo sincero, só quem não leu o livro poderia dizer algo assim, Raskolnikov é sim punido por seus crimes, não só fisicamente como psicologicamente sai devidamente danificado. O ponto central é em questão da redenção do protagonista, alguns apontam como forçado e apressado, nesse ponto tenho que dar crédito e acredito que poderia sim ter havido um aprofundamento melhor na redenção de Raskolnikov.

Veja também que alguns acusam o autor de romantizar o crime e de promover mensagens errôneas como "todos tem uma segunda chance e que logo posso fazer besteira e me arrepender depois" o que os ineptos provavelmente não devem saber já que não se aprofundaram(ou mesmo nem sabem o que é) na rica ética agostiniana, mas faz parte da doutrina cristã a parte do perdão, não quer dizer que o que o sujeito fez carece de consequências, pelo contrário, encarar as consequências do erro é parte vital do processo de redenção e parte inerente do amadurecimento, coisa pela qual passa Raskolnikov, o fato dele se arrepender não quer dizer que não enfrentou as consequências ou que tudo que ele fez foi anulado, se não entendeu isso então leia o livro de novo. Plus. Leiam Irmãos Karamazov e Os demônios, é aí que o dilema da não existência de Deus ganha tons mais irreversíveis.



O JOGADOR(1867):Depois da pedrada que foi Subsolo e Crime Castigo seria bom algo mais leve e menos pesado no? O jogador foi escrito após Crime e Castigo e possui toques autobiográficos ao representar uma parte da vida de Dostoiévski, este por sua vez era viciado em jogos de azar e tinha sérios problemas quanto a isso, se endividando e tendo vários problemas com as editoras que exigiam a entrega de suas histórias em um tempo ridiculamente curto, coisa que certamente afetou essa entrega no? Na verdade não tanto, é um livro curto contando com mais ou menos 150 páginas. A história gira em torno de Aleksei Ivanovich, um viciado em jogos de azar que passa os dias em um cassino na França, Aleksei está apaixonado por uma meretriz que lhe trata como capacho. O plot da história gira em torno de como Aleksei vai gradualmente perdendo a noção do tempo e da vida, reduzindo sua vida aos jogos.

Dostoiévski representou através do protagonista os problemas relacionados aos vícios e ao hedonismo, mostrando como o vício isola a pessoa de si mesma, esquecendo de si e se perdendo em uma espiral de prazer desordenado e usura. Ele logrou representar com perfeição antes de qualquer filme de hollywood, como funciona os cassinos e a malandragens por trás. Apesar de estar bem ambientado e contar com personagens interessantes, a história é um tanto curta e os temas são explorados apenas superficialmente, não é um estudo profundo sobre a psique de um viciado ou uma tragédia bombástica como Casino do Martin Scorsese, é mais uma história sobre cassinos com uma moral simples por trás.

Consequentemente não é uma obra complexa, porém é genuinamente divertida e agradável de ler, não tem esses entraves psicológicos e diálogos profundos com implicações filosóficas, e aparentemente inspirou o filme Casino, do qual eu recomendo bastante;

7/10

NOITES BRANCAS:

Somente agora que vi que não havia feito uma menção a Noites Brancas, um baita desperdício, Noites Brancas é um dos livros mais bonitos de Dostoyevsky sendo um dos poucos sobre roamance e relacionamento, óbvio que não um romance genérico com final feliz, é mais uma subversão do que seria um romance, possui uma mensagem amarga sobre não criar muitas expectativas tão altas em relação aos relacionamentos. É uma história sobre um amor que não deu certo, a construção é cheia de psicologia e idealização até que o autor destrói completamente a fórmula com um final triste, mais triste é a crudeza do realismo que podemos encontrar em diversos outros autores. Alo nesse nível só encontrei na obra de Gabriel García em "Amor nos Tempos do Cólera".

Recordações da Casa dos Mortos:

Um dos livros mais impactantes da história mundial, é um relato de Fyodor em sua fase na prisão, relatando o dia a dia com os outros presidiários e sobre como sobreviveu a um ambiente tão hostil e esquecido. É um livro que nos dá uma visão de humanidade sobre aqueles que ao que parece perderam sua humanidade. De forma alguma o autor coloca os presos como pessoas inocentes ou vítimas de quaisquer coisa, é mais uma forma de enxergar a vida desde um prisma cristão de perdão mostrando que mesmos pessoas tão terríveis como assassinos e ladrões ainda possuem um lado humano. Também é um relato incrível sobre como a mente humana pode se degenerar após crimes tão horrendos. Dostoyevsky relata um caso de um sujeito que matou o próprio pai e depois caiu em uma onda de orgias e alcolismo. Também nos relata outro caso sobre um homem que havia se arrependido pelo seu crime implorando a Deus que não lhe abandonasse nem ele nems seus fihos. Relatos como esse são únicos pois nos dão uma visão totalmente diferente da que costumeiramente tinhamos sobre criminosos. É mais uma amostra sobre como o ser humano é complexo e não um número insignificante no universo como dizem os cientificistas.

8/10

O IDIOTA(1869): voltando aos romances densos e psicológicos, temos O Idiota que é mais uma obra com tons autobiográficos, dessa vez o personagem deve ser um criminoso? Um viciado? um Psicótico? No, o protagonista da vez é um rapaz bom e humilde que ajuda a todos e tem um grande coração, pode soar meh e confesso que pensei em dropar o livro, dei uma chance e confesso que foi uma experiência interessante. A história gira em torno de Liev Nikolaevich Míshkin, um parente distante de uma generala que através dela ele procura se estabelecer para conseguir um emprego. No meio do caminho o nosso protagonista termina se envolvendo com o pessoal da família de Lizaveta Prokofievna, que são um bando de cretinos de má índole. Míshkin também acaba se envolvendo com Nastássia Filipovna que estava noiva de Rogojin, este por sua vez cria um ranço de rivalidade com Míshkin e o final bién, é Dostoiévski então presuma que não terminará bem.

Com Míshkin, Dostoiévski quis criar um personagem genuinamente bom de coração, de maneira a não torna-lo inconveniente ou chato, um personagem que fosse agradável ao mesmo tempo que é bonzinho, algumas resenhas que li sobre, afirmam que Míshkin seria simbolicamente a percepção do ideal cristão promovido por Dostoiévski. Sendo Míshkin um personagem de índole mágica, seu caráter é puramente bom. Sobre o nome "O idiota" apesar de soar sacrílego chamar um personagem que representa o cristianismo de idiota, há um motivo, o motivo é que todos ao redor de Míshkin são patifes, materialistas, mesquinhos e de natureza ruim, por consequência o caráter deles é incompatível com o de Míshkin, fazendo com que eles o vejam como um tonto. Apesar disso Míshkin tenta ver o lado bom de todos ao seu redor, por mais canalha ou mal intencionado que os outros sejam.

Seu personagem possui nuances psicológicas que beiram o existencialismo com indagações interessantes acerca da natureza humana, sobre se vale a pena ser bom em um ambiente tão ruim e medíocre, me referi aos personagens secundários como cretinos unidimensionais mas a verdade é que todos(grande parte pelo menos) possuem um certo grau de exploração psicológica, com Rogojin sendo o oposto de Míshkin, ateu, violento e com tendências assassinas ele tenta por vezes rebaixar Míshkin não por maldade mas por inveja pelo mesmo ter despertado o interesse de Nastássia Filipovna onde pouco a pouco vai demonstrando facetas mais humanas. Nastássia por sua vez é a personagem mais complexa da obra, sua figura representa o reflexo de uma vida carente de valores e de amor sincero, por ser de família nobre e dotada de beleza, termina sendo alvo de vários homens interesseiros que se aproximam ou pela sua beleza ou pela sua riqueza, coisa que a torna bastante cínica em relação as pessoas, sendo fria e em momentos até sádica, com ares de Asuka. Sinceramente seria mais interessante se fosse ela a protagonista.

Sobre a obra, os personagens estão bem explorados apesar de que em geral permanecem estáticos em relação as suas personalidades, Míshkin tem um final um tanto trágico mostrando que a bondade também possui consequências, não que o livro esteja dizendo que a bondade é na realidade algo ruim, muito pelo contrário, nos mostra como a falta de amor e o materialismo são danosos ao ser humano, com Míshkin, Dostoiévski quis mostrar a beleza do ser humano, de como devemos inspirar bons valores nas pessoas. Todavia o livro é desnecessariamente longo e o diálogo é demasiado arrastado, detalhando em coisas que não são necessárias e grande parte do romance é parado de modo que algumas partes são bem entediantes;

9/10

ANÁLISE PROFUNDA:

O Idiota de Fyodor Dostoiévski faz parte dos seus romances pós Sibéria, para contextualizar rapidamente, ele foi preso por participar de grupos anti-czar e quase foi condenado à morte, quando saiu da prisão escreveu Crime e Castigo, Os Demônios, Irmãos Karamazov e O idiota, obras essas que criticam duramente as visões seculares e niilistas que haviam se impregnado na Rússia e que posteriormente causaria revoluções e divisões onde se cometeram várias atrocidades. A visão de Dostoiévski sobre o mundo é baseada no cristianismo e nos mandamentos bíblicos mesclados com um certo apelo ao social, algo parecido com a doutrina social da igreja católica expressa na carta da Rerum Novarum, apesar do mesmo detestar a igreja católica, coisa que ele expressa nessa mesma obra. Sobre a história, é um livro que se passa em São Petersburgo e narra a história do Príncipe Liev Nikolaevich Míshkin, que decide visitar sua família na cidade para conseguir um emprego, com a intenção também de conhecer sua família mais afastada. Em Petersburgo ele conhece seus parentes sendo eles; Lizavieta Prokofievna Epantchin e suas filhas Adelaída, Aglaia e Aleksandra, fora a principal Nastássia Filipovna.

O príncipe Míshkin tenta conseguir um emprego na casa dos Epantchin com fim de se estabelecer, no entanto termina se envolvendo em um relacionamento com Nastássia Filipovna devido ao caráter mágico dele. No percurso Míshkin também conhece Parfion Rogojin, sendo este seu antagonista, opositor em toda a regra sendo um mega vilão(nota:tipo de vilão que é o oposto absoluto do protagonista ex:venom). Míshkin ao princípio é menosprezado e tratado como um estúpido por todos ao seu redor pela sua índole de ser bom para com todos, isso dura até descobrirem que ele possui uma fortuna que um falecido tio seu lhe deixou, todos então passam a trata-lo bem e Nastássia Filipovna propõe casar-se com ele rejeitando Rogojin que era seu pretendente. Rogojin é humilhado por Nastássia e desenvolve um ódio que culmina no ato final do livro, do qual não darei spoilers. É interessante lembrar que esse livro foi escrito em um período bastante negro na vida de Dostoiévski, estava fragilizado emocionalmente e fisicamente, seus ataques de epilepsia se tornaram frequentes, sua filha mais nova havia morrido prematuramente e estava endividado devido as jogatinas, fora que estava sob forte pressão dos editores para entregar o romance. De modo similar ao autor de Neon Gênesis Evangelion que sofria de depressão e estava endividado e de forma inspiracional transformaram seus problemas em arte e o resultado foi algo sumamente profundo e psicológico, é o caso de vários autores e escritores ao redor do mundo.

Acredito eu que os problemas quando se tornam muito grandes, ficam claros e impossíveis de ignorar, fazendo o sujeito cair em uma profunda reflexão e solidão que culmina nos questionamentos mais profundos existentes, ele passa a refletir sobre sua vida e sobre questões mais elevadas como o futuro da sociedade ou a imortalidade de nossas almas. Talvez seja o caso de Dostoiévski já que muitos dos seus personagens são inspirados nele próprio, personagens como Smerdiakov ou Raskolnikov, o que nos leva ao personagem de Míshkin, que diferente de outros personagens dele, que em sua maioria eram canalhas, depressivos, psicóticos ou criminosos, Míshkin por outro lado é um ser manso e humilde, levando consigo a representação máxima do cristianismo, alguém que não julga, que ajuda e que é compreensível com todos, tratando de ver o melhor em cada pessoa. Míshkin é em poucas palavras "O príncipe de Cristo" um personagem bom de caráter. O primeiro problema que pensei ter em relação a esse personagem quando li sobre a premissa é "será um personagem irritante e chato que cuspirá lição de moral a cada minuto" por sorte não é o caso e Dostoiévski usou de engenhosidade para criar um personagem simpático, bom e ao mesmo tempo trágico.

Dostoiévski quis criar um personagem genuinamente bom, um contraste com a mentalidade niilista de que não existe moral, todavia seria um livro chatíssimo se fosse apenas sobre um personagem bom o tempo inteiro, fazendo vários amigos e vivendo de forma feliz sem problemas certo? É óbvio que se tratando de Dostoiévski não seria apenas isso e evidentemente ele usaria essa premissa para explorar temas existenciais e teológicos de grande relevância para os que tem dúvidas sobre a fé. Míshkin como referi antes, é um personagem trágico, trágico porque o ambiente ao seu redor está tomado por gente mesquinha, niilista e materialista da pior espécie, com os quais o autor busca fazer críticas em relação a sociedade russa e sobre como estavam perdidos em frivolidades "amantes de si mesmos" como o próprio autor diz. Em termos de caracterização Míshkin é um personagem bem redondo, não é o personagem mais complexo do autor mas é um dos mais interessantes sem dúvidas já que ao mesmo tempo que é bom, humilde e manso, também pode ser cínico, meio covarde, tímido e instável em raras ocasiões, este último é em consequência do ambiente radioativo em que ele se encontra, onde todos tentam lhe tirar vantagens e o tratam como imbecil.

O tratam como imbecil por sua natureza boa, já que quase todos são materialistas, todavia quando estão próximos dele, evidenciam o próprio caráter, a interpretação que tiro disso é que Míshkin representa a luz de Cristo, ele é a encarnação do ideal cristão que lança luz sobre as trevas e revela os demônios e as imperfeições humanas. Míshkin carece de sexualidade não por ser homossexual mas por ser casto e tendencioso a ver apenas o lado bom e inocente das pessoas, por mais que ele mesmo saiba que em geral está lidando com cretinos, coisa que ele está consciente e ainda sim procura meio que desesperadamente as boas características nas pessoas. Seu dilema é profundamente existencial já que ao mesmo tempo que tenta ser bom com todos, todos tentam tirar-lhe proveito, seu caráter atrai todo tipo de gente com más intenções porque sabem que ele não fará nada. É quando o autor nos coloca de forma meditativa o questionamento de "é possível ser bom com todos?" "perdoar os maus nos faz cúmplices?" "a pena de morte é cristã?" não há respostas dentro do livro, são reflexões que o próprio leitor pode tirar. A tragédia de Míshkin possui tons existenciais que merecem uma profunda reflexão, a primeira reflexão é sobre o que levou a família dos Epantchin a esse estado de decadência moral? De onde vem essa cobiça por bens materiais e idolatria do próprio ego?

É uma forma lírica do autor ressaltar a importância de Deus e de como essa mentalidade de "apenas eu e meus desejos importam" é ruim já que leva a uma alienação do mundo, a frieza no coração e a dissolução dos vínculos familiares que podem degenerar em coisas piores, essa questão é amplamente desenvolvida em "Irmãos Karamazov" por aqui temos um esboço de um tema importantíssimo. Saindo de Míshkin e falando finalmente dos outros personagens, temos Nastássia Filipovna que é talvez a personagem mais complexa do romance, se trata de uma burguesa de família "nobre" que desde cedo era culta e bem desenvolvida, sendo descrita como a encarnação da beleza, arrastava homens e despertava a admiração de todos por sua beleza e inteligência, sua beleza desperta o interesse de Rogojin e Míshkin que "disputam" seu "amor". A tragédia de seu personagem consiste em que ela desde cedo era adorada e despertava o interesse de vários homens, e era ciente de que todos que se aproximavam dela eram ou interesseiros ou apenas aventureiros seduzidos por sua peculiar beleza, ao conhecer Míshkin ela se deparou com um homem que genuinamente gostava dela não pela sua beleza ou dinheiro mas por quem ela era de fato, Míshkin a tratava bem e não julgava seus ataques de histeria nem sua personalidade problemática.

Devido a maturidade prematura e os mimos da nobreza, Nastássia Filipovna cresce em um ambiente vazio e carente de valores em plena ascensão do feminismo, tornando ela uma pessoa narcisista e com complexos de grandeza onde ela se vê como um ser superior que merece uma vida superior com alguém superior, de modo que sua personalidade é extremamente volátil e suas emoções e ações são difíceis de calcular de forma equacionar a causa e efeito, sendo ela intensa e bastante diferente de Míshkin que carece de sensualidade, coisa que não inspira Nastássia, terminando com o relacionamento entre os dois com a desculpa de que "não pode casar-se com um homem tão inocente e puro". Por outro lado temos Rogojin que é o extremo oposto de Míshkin, sensualista, mesquinho, niilista e com tendências assassinas, ele está totalmente apaixonado por Nastassia ao ponto de roubar para dar a ela brincos raros e até usar o dinheiro de seu pai para convencer os diretores de Nastássia a permitirem o noivado, ele se utiliza da personalidade gentil do príncipe para tirar vantagem e revela por vezes um instinto assassino que dura boa parte do livro até a consumação do ato.

O restante dos personagens são interessantes mas não possuem um grande impacto na história de modo que são relevantes a nível conceitual. Temos o patriarca Epantchin que é um coronel dono de pensões, um dos primeiros personagens que Míshkin conhece, temos Lizaveta Prokofievna e suas filhas que não possuem tanta relevância e que estão aí para ressaltar a falta de valores elevados na família, temos também o general Ivolguin, Ardaliónitch, Ivolguina e etc. São interessantes mas estão apenas para complementar os personagens principais. Finalizando com a resenha temos também os diálogos dos personagens sobre temas variados, Dostoiévski constantemente usa seus personagens para comentar assuntos e abordar temas importantes sobre a política, filosofia e estado das coisas, no caso dessa obra como em várias outras de sua autoria, fala-se acerca de como o niilismo está tomando conta da Rússia e de como os russos estavam exportando os "valores" europeus como se fosse a verdade absoluta e por consequência estariam traindo os valores russos, que o liberalismo nada mais era que a raiva contra a própria nação, indagações que considero corretas em vários níveis.

Nesse romance Dostoiévski também critica de forma incisiva a igreja católica dizendo que esta representa o ideal iluminista que por sua vez seria o próprio império do anticristo e que a igreja teria culpa em parte do niilismo que tomou conta da Europa no século 19, como católico essa crítica é bastante desagradável e até injusta por parte do autor, é verdade que a igreja católica atualmente é submissa aos governos ateus e que foi quase totalmente consumida pelos ideais do globalismo ao ponto de negar a própria tradição e sua grandiosidade histórica, ainda sim vejo como injusta a crítica de Dostoiévski já que desconsidera a árdua luta da igreja contra os ideais niilistas, expressos em vários documentos, é compreensível que ele tenha uma tendência forte à igreja ortodoxa, mas não acho justo esse tipo de criticismo pela própria história da igreja, porque se formos comparar as duas, a igreja ortodoxa deixou a Rússia ser tomada pelos bolcheviques terroristas enquanto que o Ocidente tentou retornar às raízes através da terceira posição, falhou e os estragos são sentidos até hoje. De resto concordo com a moral da obra de "não se deixar ser consumido pelo meio" é uma discussão válida e ao mesmo tempo perigosa já que é possível cair em argumentos russeaunianos de que o meio corrompe o indivíduo. Compactuo também com a ideia de que estamos caminhando para um niilismo destrutivo e um niilismo moral, o primeiro é representado nas barbáries cometidas pelos comunistas no século 20 e que está presente de forma escatológica no livro "Os Demônios" do mesmo autor aqui citado.

O segundo é representado pela carência religiosa e excessivo racionalismo que culminou nessa cultura atual de que a tecnologia e a ciência salvariam os seres humanos, como estamos vendo é todo o contrário, estamos mais imbecis que nunca, amantes de nossos egos, cada vez mais isolados das pessoas, com menos contato humano e vivendo sob a ameaça das ações maléficas de uma ciência que se vende como a salvação da raça humana ao mesmo tempo que produz armas biológicas, bombas atômicas, tecnologias extremamente questionáveis e escapismos cínicos que os desavisados imbecis se maravilham. Essa crítica é direcionada para todo mundo incluindo este que vos escreve, por vezes caí em ideias niilistas, ateias e em hedonismos baratos que me levaram a um estado de depressão e vazio existencial que culminou em ideias egoístas e cretinas, coisa que estou tentando mudar por hora através da oração. A conclusão de Dostoiévski sobre a religião cristã também considero certa em vários aspectos, quando ele diz que não há como racionalizar a religião e que apenas pela devoção e entrega da fé é que se pode superar o niilismo, é algo certo e a única forma existente de combater os senhores do mundo e os demônios que infestaram a Terra.

Tirando essas reflexões, o quão bom é esse livro? Bién, não é o melhor livro de Dostoiévski por várias razões, uma delas é por ser excessivamente longo, é um livro que conta com quase 700 páginas, onde pouca coisa ocorre realmente, é detalhista mas não aborrece com ninharias e mais da metade do livro é concentrado em aspectos mundanos que são usados para desenvolver os personagens, está ok mas não é necessário 700 páginas disso, não é como se houvesse um gigantesco estudo de personagem ou monólogos complexos que detalham a mente dos personagens como em Irmãos Karamazov, pelo contrário, o ponto do livro é mais concentrado nas ações dos personagens, uma forma mais complicada de escrever, usando de monólogos é mais fácil exprimir a mente do personagem, aqui existem ações concretas, ações das quais o leitor por intuição tenta captar a ontologia da obra. Outro problema com esse livro são os diálogos políticos, geralmente ocorrem do nada sem uma construção prévia fazendo com que pareça desconectado da história, o que não é o caso, os diálogos de política e filosofia estão intimamente conectadas com a obra mas devido a carência de sutileza termina dando essa impressão de algo está fora de lugar. Talvez a maior crítica que posso fazer a este livro é que ele é demasiado monótono em um ponto que foi desagradável ler algumas partes pelo excesso de falatório, o falatório esticado e arrastado está apenas para fazer o livro maior do que ele deveria ser.

Essa crítica sobre ser monótono é algo que pode afastar muita gente, porque diferente de outras obras de Dostoiévski, onde sempre está ocorrendo algo, seja um assassinato, uma investigação policial ou algum monólogo mind blowing que te prende até o final aqui encontramos uma espécie de slice of life filosófico. O início do livro é bem envolvente e tocante, em especial para os mais sensíveis e espirituosos, todavia a metade e o fim do livro possuem um toque novelístico bem abaixo para os padrões de escrita do Dostoiévski, coisa que ele corrigiu em Irmãos Karamazov, onde o drama funciona porque os personagens movem a trama, os diálogos e monólogos estão bem estruturados e justificados. Quer dizer que é um livro ruim? No, seus temas são altamente reflexivos, os diálogos apesar de extensos e aparentarem desconexão são interessantes para entender o contexto histórico bem como a visão do autor sobre os assuntos, não há nenhuma perda com o Personagem de Míshkin, Nastássia e Rogojin, são personagens bem construídos e a obra está carregada dos bons valores cristãos, o que me agrada nesse tipo de obra é que não há apenas sermões mas sim demonstrações, o livro não está cuspindo no leitor frases de efeito e receitas de conduta, está mostrando através de personagens bem construídos e humanos a forma da qual não devemos agir, é mais verossímil e capta muito mais pessoas que apenas dizer "hur o ateísmo é coisa do diabo" sabemos que é mas é mais interessante e agradável ver o porque de ser assim e as consequências, ainda mais que considero bastante a situação em que se encontrava o autor, é definitivamente um trabalho admirável e artisticamente belo, dotado dos melhores valores.



O ETERNO MARIDO(1870): Uma novela sobre um boêmio rasteiro e adúltero que pratica atos libidinosos com várias mulheres e... Bueno só, não há uma grande mensagem por trás e tão pouco tem um plot interessante, é apenas a história de um boêmio adúltero que cruza com um dos homens que corneou e este decide se aproximar dele por achar que ele é o pai de um filho que teve com a mulher que teve relações com... Ok, tentei tirar alguma lição ou mensagem ou mesmo algo de útil dessa novela mas é só isso. Vejo interessante abordar o tema da infidelidade conjugal de forma negativa e quiçá algo mais profundo detalhando uma relação amorosa mostrando como esse estilo de vida é ruim, o livro não romantiza e condena o comportamento de Ricardão mas sabe, não é o suficiente e a história toma um rumo meio estranho depois de umas páginas, de modo que não me deixa muito o que falar;

5/10

OS DEMÔNIOS(1872): Com o eterno marido poderíamos estar presenciando a decadência e o fim da inspiração de Dostoiévski onde o autor repetiria tramas e seguiria algo mais convencional ao invés de seguir a linha das novelas psicológicas no? graças a dios não é o caso e a prova é Os Demônios que entre outras coisas previu a revolução comunista na Rússia. Desde de cara a história apresenta um cenário de decadência cultural onde os liberais tomaram de conta, com a proliferação de ideias niilistas e anti-nacionalistas que carrega consigo um servilismo evidente pelos europeus, coisa que Dostoiévski odiava e tratou de criticar em seu livro, denunciando os erros e o caminho que a Rússia estava trilhando. O livro gira em torno de um professor de letras chamado Stepan Trofimovich Verkhovensky que vive sob os favores de uma generala viúva, dona de terras chamada Várvara Stravoguina.

Stepan é um sujeito manso, bobão que carece de masculinidade, não por ser homossexual mas por ser um emasculado que vive sob a tutela de Várvara que exerce o papel viril da relação, ela confia a Stepan a educação de seu filho Nikolay Stravoguin que é treinado por Stepan para ser o cabeça de uma revolução futura. Stravoguin cresce sob a influência das ideias utópicas de Stepan e desenvolve uma ideia de ateísmo e amoralidade que em si termina lhe influenciando a viver intensamente para os prazeres da carne, dormindo com várias mulheres e virando um alcóolatra, com Stravoguin, Dostoiévski quis criticar o hedonismo e a decadência espiritual gerada pela falta dos valores cristãos. Stravoguin é o personagem mais complexo da obra, tanto que tem para si um capítulo especificamente para falar de seu final, onde ele confessa um crime macabro que não citar para não estragar a exp


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REVIEW DA LITERATURA RUSSA PARTE 1

Posted : 1 year, 3 months ago on 15 January 2023 11:05

Falar sobre a Rússia é sempre interessante não só pela história rica e conturbada dela como também é pela ampla gama de artistas e escritores desse povo, sendo Moscou considerada a capital da literatura, o que pode gerar controvérsias entre aqueles que não apreciam tanto o amplo arsenal artístico desse país. Pessoalmente acho a Rússia o país mais fascinante em termos tanto artísticos como histórico já que é um país que passou por inúmeras tragédias e fatos sombrios como as revoluções comunistas do século 20. Contudo nessa análise tentarei me deter em comentar mais o aspecto artístico-literário e algumas explanações a respeito do cenário cultural e intelectual da Rússia nos séculos 19 e início do século 20, gerando uma espécie de revisão, bem como apontamentos sobre o panorama geral dos escritores e artistas russos. Falar de literatura russa é sempre fascinante, eles produziram vários dos melhores escritores que já existiram como Dostoyevsky ou Tolstoy, sempre explorando um lado mais psicológico e mais humano abordando temas realmente relevantes como o niilismo, determinismo, socialismo, teologia e etc. Parte desse brilhantismo descende da Europa de escritores como Lorde Byron ou Goethe que influenciaram grandemente o primeiro nome dessa lista;

Aleksander Pushkin: considerado pai da literatura russa, descendente de escravos africanos Pushkin cresceu sob forte influência do romantismo britânico onde veio a escrever algumas obras que foram essenciais para fundamentar as bases do que viria a ser a literatura russa como Eugene Onegin e a Dama de espadas, que dando spoilers, viria a inspirar obras de peso como Crime e Castigo de Dostoyevsky. Sua escrita como já referi, tem raízes no romantismo britânico semelhante a coisas como Shakespeare ou o Byron sendo em termos mais simples muito mais um poeta que um romancista, de caráter mais liberal tendo inclusive participado de movimentos anti-czar como o movimento dos "dezembristas".

Eugene Onegin e O Tiro

Sobre as suas obras, temos Eugene Onegin que conta a história de um dandi (cavalheiro nobre) que sofre com alguns problemas existenciais como o tédio e a falta de prazer nas coisas, Onegin pode ser descrito como um leve retrato da aristocracia russa, onde nos coloca na pele de um sujeito egoísta, cínico e vaidoso, indiferente as pessoas, seu final é trágico e cabe uma certa análise; a morte de Lensky pode representar a morte da sinceridade em Onegin. É inclusive por essa acidez em relação a nobreza que fez Pushkin ser usado pelos bolcheviques como propaganda contra a elite. Seus outros trabalhos apesar de não serem tão complexos são dignos de menção, obras como "O Tiro" que narra alguns temas como o orgulho ou a humilhação que seria ampliada em obras mais robustas como "O Idiota". Também temos obras como a "A dama de espadas" que narra a história de um alemão que fica encantado com algumas capirotagens de uma condessa e planeja descobrir esses segredos no entanto as coisas terminam mal. A dama de espadas é mais um experimento que serviria de inspiração para obras mais complexas com Crime e Castigo. Apesar de não ser o autor mais transcendental Pushkin foi quem logrou sedimentar um espaço para a Rússia no cenário literário europeu, seu fim, apesar de irônico carrega consigo um grande legado(a saber ele morreu em um duelo, tema recorrente em sua obra) tal como Shakespeare, Camões ou Homero. Ele também solidificou um formato de história que influenciou o próximo sujeito da lista;


Pobre Liza:

Antes de falar dos gigantes da literatura russa cabe também dar um lançar um olhar sobre os autores precursores do realismo, dentre eles consigo citar Nikolai Karamzin e a sua novela breve intitulada de "Pobre Liza" que narra a história de uma menina gentil e dócil que vive na pobreza da Rússia sendo tão boa de coração se apaixona por um soldado que logo é convocado a lutar pela pátria. Nesse romance de formação de Karamzin encontramos dois elementos que imperam, o primeiro é uma visão humanista fortemente influenciada pelos romances sociais tais como "Os Miseráveis" de Vitor Hugo. No romance de Karamzin também impera o uso de elementos como a dramatização sucessiva dos personagens remanescentes do romantismo inglês de Byron. Se fosse para catalogar "Pobre Liza" diria que é um protótipo de romance social já que cabe recordar que o autor do romance era um iluminista.

Contos de Afanasyev

Outro sujeito que cabe ao menos uma mensão vaga e digo vaga pela dificuldade de encontrar material a respeito é Alexander Afanasyev, um dos mais importantes contistas da Rússia, fora dele que saíra contos como Baba Yaga e Vasiliza a Bela, tal como Liza de Karamazin a Vasiliza a Bela é uma obra com muita idealização e um tom aqui e ali de crítica social, algo que podemos notar nesse estado primordial da literatura russa é uma certa idealização da figura feminina como o apogeu da inocência e da pureza de espírito, um prato cheio para os apoiadores das teses fruedianas. Ainda não havia pois um elemento cientificista e possuía toda uma atmosfera remetente aos contos anglo-germânicos como os Irmãos Grimm com uma lição ou as vezes sem lição os contos contavam com uma caracterização básica com lições simples para as crianças. Essa fase contudo nos remete aos primórdios da literatura russa, foram os contos de Afanasyev e o romance Social Pobre Liza que introduziram algumas tendências que seriam aprimoradas por outros contistas.


O Capote e O Diário de um Homem Louco:

Nikolai Gógol e o humor trágico: seguindo a linha temos Gógol que é sucessor de Pushkin em termos de escrita, ele aprofundou aquilo que Pushkin vinha desenvolvendo em sua obra, com tons mais críticos em relação a classe mais baixa denunciando a mediocridade, falta de empatia e cinismo, o que não quer dizer que ele era algum tipo de classista ou algo do tipo, ele em verdade estava criticando esse estilo de vida medíocre que os russos levavam, um exemplo disso é "o capote" sua obra mais famosa que retrata a vida medíocre de um conselheiro titular copista chamado Akaki Akakievitch(nome ruim) um homem medíocre e sem graça, foi funcionário público durante toda a vida até que decide comprar um capote caro juntando vários anos de dinheiro. Esse romance é mais uma denuncia sobre as péssimas condições que viviam e a mediocridade do pensamento médio, Akaki morre terrivelmente e volta para se vingar como fantasma, sendo essa a parte cômica dessa história, um humor sadista e que sinceramente me agradou bastante pelo grotesco e irônico que é, assim é muita de suas obras como o "diário de um homem louco" onde é abordado a questão das doenças mentais de um esquizofrênico que crer ser o rei da Espanha, sua mistura entre os tons de humor e tragédia são bem construídos apesar de que em geral sua obra carece de um maior aprofundamento filosófico e psicológico, contudo foi graças a sua obra que outros autores conseguiram tirar a base para coisas mais complexas como "A Morte de Ivan Illytch" de Tolstoy. Como diria Dostoyevsky "todos viemos de O Capote" referindo-se a literatura russa já que sua obra influenciou vários outros como Ivan Turgueniev, Maiakóvski, Tolstoy,Tchekhov, Gorki e etc.


Almas Mortas resenha:

Gogol é um autor do meu gosto, me agrada quase todos os seus trabalhos e é um dos autores que facilmente poderia encaixar em um top 10, suas obras em geral tendem a se concentrar mais no aspecto satírico e escrachado do qual usa para criticar e desdenhar de certos aspectos da sociedade russa do século 18, usando de um humor negro e de absurdismos sem ser vulgar ou demasiado grotesco. A sua crítica ao funcionalismo público também é bastante contudente, principalmente em torno dessas figuras tão nefastas que são os funcionários públicos, o autor também tem uma crítica minuciosa sobre a responsabilidade pessoal e sobre a mediocridade, que realmente deverias levar em conta, as histórias de Gógol dispensam figuras de linguagem rebuscadas ou simbolismos high iq, suas histórias pegam mais pelo sentido de humor que qualquer outra coisa, suas histórias são as mais engraçadas que já li, sobre um homem que perdeu o nariz ou sobre um homem que finge ser uma celebridade enganando toda uma cidade, e aí poderia me estender falando e falando das qualidades do autor.

Gógol só não foi melhor simplesmente porque esteve em um período onde a literatura da Rússia estava em processo de formação, com isso não significa que estou de alguma forma menosprezando a pré literatura, é só que as histórias nesse período eram mais simples e giravam em torno de alguns contos folclóricos, isso veio a mudar com Pushkin e Gogol que estabeleceram com bases firmes essa literatura, que viria a ser aprimorada por figuras como Dostoyevsky, Tolstoy e Bulgakov e uma série de outros. Um ponto interessante das críticas que Gógol fazia é que jamais foi reprimido pelo Czar e muito pelo contrário recebeu inclusive proteção do mesmo, nesse sentido o império russo foi um bocado mais tolerante que o regime bolchevique mais que nada porque o país passava por algumas reformas liberais que visavam dar um ar mais francês revolucionário e uma tentativa de tirar essa impressão de que a Rússia era um país medieval e camponês, com isso em mente o regime do Czar com o passar dos anos se tornou mais tolerante com as ideias vindas do ocidente.

Sempre que leio um Magnum opus ou um trabalho final de um autor me bate um sentimento estranho e sentimental como se estivesse tentando ver coisas além, foi assim com Irmãos Karamazov, mais que nada porque era a última obra de Dostoyevsky antes de morrer e assim é Almas Mortas, a última obra de Gógol, um dos livros mais importantes da literatura mundial, que é a conclusão de um projeto que a tempos o autor vinha matutando até que no verão de 1842 finalmente concluiu, ou não. Almas Mortas é um ode ao melhor e o pior do que há no homem russo, uma genuína representação psicológica e comportamental, seguindo a história de um homem mau caráter, hipócrita e enganador que é Tchitchikov, o personagem principal, Tchitchikov é um servidor público que foi afastado por corrupção e que viaja pela Rússia a procura de aumentar a sua fortuna. Desde já um aspecto que posso observar dessa narrativa é a sua maestria em descrever cenários, um detalhismo que passa uma sensação de vividez mais ampla, um exemplo disso é a cena das moscas entrando na sala de Tchitchikov, uma cena que facilmente ficou marcada na minha cabeça, sentia quase como se já tivesse tido essa memória em algum lugar de tão real e vívida.

Elogio de escrita à parte o que há de bom em Almas Mortas no que concerne a roteiro? Bom o protagonista se sobressai sobre os outros personagens mais pela sua complexidade que qualquer outra coisa, os outros personagens estão aí mais para complementar Tchitchikov que qualquer coisa, suas interações são interessantes como forma de explorar o caráter de Tchitchikov que não é um absoluto canalha, tendo partes boas para contrastrar com as ruins, ele é misógino ao mesmo tempo que é benevolente com os servos. O autor frequentemente usa a narração em terceira pessoa para detalhar mais os outros personagens, algo mais próximo do que Balzac fazia na sua obra. Para um livro de Gógol é uma narrativa bastante madura, algo que contrastra com o que eu já disse até aqui do autor. O texto também está cheio de trechos sobre Deus, família, amor ao próximo, caridade, natureza humana e mais e assim como Irmãos Karamazov possui um ar de inconclusivo porque essas questões não se baseiam na lógica positivista objetiva mas sim em algo metafísico, algo muito mais reflexivo que teórico e formulaico. Isso é uma forma de transfigurar o texto para uma configuração mais filosófica e realmente pode ser em alguns momentos.

Em geral me agrada muitos aspectos dessa narrativa e possui material de um 8/10 ou mesmo um 9/10 o que tristemente não é o caso porque se já pesquisaram a história desse livro já devem saber que ele está incompleto, inconcluso porque o autor simplesmente decidiu queimar a segunda parte por ordem de um religioso e creio firmemente que foi um erro porque não havia nada de malicioso ou anticristão ali, simplesmente havia um relato de um tipo de indivíduo comum na antiga Rússia.

O próximo livro de Gógol tem um ar Ghoetiano e bem pouco a ver com comédia, trata-se de "O retrato" escrito logo após o inspetor geral conta a história de um artista que hipinotizado por uma máscara que interage e fala com o artista, o convence a vender sua alma em troca de dar a ele o sucesso e a fama, o artista aceita e vive uma vida de luxo e bonança econômica mas tendo que ver o seu sonho sendo subvertido por uma ideia vaga e que agradava apenas as massas, seu sofrimento aumenta quando vê um artista jovem que crescia e fazia sucesso de forma honesta sem ajuda do diabo e é então que o artista se arrepende de ter feito o pacto. O mais fraco dos contos de Gógol ainda sim carrega uma áurea de reflexiva com tons faustianos. É uma fábula interessante sobre o valor da arte e sobre como não devemos corrompe-la com interesses mesquinhos e consumistas. O outro conto de Gógol que merece destaque desde já é "O nariz" mais que nada pelo sentido puro e genuíno do humor, nesse conto é relatado como o nariz de um funcionário público ganha vida e foge do rosto do homem, o homem desesperado corre atrás de encontrar o maldito nariz passando por jornais e até na polícia sendo ridicularizado pela história bizarra e totalmente esquizofrênica, aqui Gógol também aproveita para alfinetar os funcionários públicos como é de prache zombando do pobre protagonista. O nariz assim como O Capote formam parte das histórias mais cômicas e com um sentido de humor bastante refinado e abrangente já que a obra de Gógol se popularizou tanto entre os plebeus quanto entre os nobres da época.


Guerra e Paz:

Tolstoy e a paz na guerra: com Gógol e seu celebre romance "Almas Mortas" é inaugurado uma nova era no cenário literário russo, a Golden Age da literatura iniciou com Gógol e seguiu até Tolstoy em seu célebre livro "Guerra e Paz" que narra as batalhas napoleônicas na Rússia, o romance gira em torno de Pierre Bezukhov que após receber uma fortuna de herança é obrigado a lidar com as responsabilidades desse status social, passando por dilemas filosóficos e espirituais se aliando até a franco-maçonaria, Pierre, se depara então com o fantasma da guerra, seu amigo Andrei Bolkonsky(importante personagem) se decepciona com o mundo após se ferir gravemente, caindo em uma espiral de niilismo. Enquanto isso a batalha entre as tropas de Moscou e as tropas de Napoleão, liderados por Mikhail Tukuzov(general da vida real) os russos conseguem vencer os invencíveis franceses. Para contextualizar melhor, esse romance é um livro histórico sobre as guerras napoleônicas com foco na invasão à Rússia durante o reinado de Alexandre primeiro da família dos Romanov. Nesse período conturbado, a frança vinha através de Napoleão Bonaparte, derrubando monarquias com intenções de estabelecer um governo mundial sobre os ideais revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade, ideais que colocaram abaixo a monarquia de Luís xvi e que estabeleceram uma nova era na humanidade que seguiria pelo caminho do racionalismo, antropocentrismo e "igualdade social" os lemas da nova ordem mundial. Como boa parte da Europa havia sido anexada pelos franceses, restava o inimigo mais forte, os ingleses que são geograficamente separados da Europa, em retaliação aos embargos econômicos e bélicos dos ingleses à França, Napoleão ordenou a todos os países um bloqueio de exportações para a Inglaterra, que ficou conhecido como o bloqueio continental, vendo que seria seriamente prejudicada a Rússia decidiu não aderir ao bloqueio o que serviu de motivo para que Napoleão e suas tropas invadissem a Rússia. Outros países como Portugal também decidiram negar o bloqueio econômico imposto pela França, o que ocasionou o envio de tropas para Lisboa obrigando o rei Dom João Sexto a evacuar estrategicamente para o Brasil, sua colônia na época, para evitar ser deposto, o que poderia invalidar o reinado sobre a colônia brasileira, fortalecendo suas tropas. Enquanto as tropas de Napoleão avançam até Moscou sem muita resistência, os campos e colheitas eram devastados pelos próprios russos, a famosa tática da terra arrasada, uma estratégia criada pelos citas contra o rei Dario e que foi aplicada por Tukuzov e com a ajuda do inverno, as tropas napoleônicas foram reduzindo-se até a batalha de Borodino onde as tropas de Tukuzov enfrentaram os franceses e empataram provocando inúmeras mortes, apesar do empate, os russos saíram moralmente vitoriosos já que acreditava-se impossível vencer o exército francês. O romance de Tolstoy logra retratar historicamente várias batalhas desse período, narrando o cotidiano dos soldados com uma certa exploração psicológica sendo o maior épico dos tempos modernos. É um dos livros mais importantes da história.


A Morte De Ivan Illytch:

A morte de Ivan Illytch foi outro grande trabalho de Tolstoy e um dos mais obscuros, que narra a história do juiz Ivan Illytch que após se ferir gravemente acaba ficando acamado passando seus últimos dias em uma espécie de transe refletindo sobre toda a sua vida, tocando temas como a responsabilidade pessoal, sentido da vida, falta de amor e futilidade com Ivan Illytch chegando a conclusão final de que viveu sua vida erroneamente, sendo um homem frio em um emprego que ele odeia, com uma esposa que não o ama sem ter aproveitado nada da vida, é um relato angustiante e uma crítica ao funcionalismo público altamente influenciado pelo "Capote" de Gógol, na verdade poderia considera-lo a versão definitiva de "O Capote". Considero essa sua melhor obra.

segue a resenha:

A morte de Ivan Ilyich, uma novela ou conto, não sei, escrito pelo romancista russo Liev Nikolaevitch Tolstoi ou apenas Tolstoi, conta a história de um juiz de alta corte que está morto, bom essa é a primeira parte do livro, na segunda parte o personagem de Ivan é caracterizado como personagem, é um livro estilo Memento Mori, uma reflexão sobre a vida e a morte, abordando temas como o comodismo e insensibilidade, estagnação e tanatofobia, sendo um dos mais memoráveis livros do autor. Sem dúvidas a literatura russa é famosa pelas tragédias e histórias impactantes, toda a obra de Dostoievsky por exemplo, estão sempre relatando algo relevante, com grandiosos estudos de personagem, um exemplo do que falo é Memórias do Subsolo, um livro sumamente reflexivo que conta com vários temas sobre o existencialismo ao mesmo tempo que é um estudo de personagem.

Bueno, não querendo desviar do foco, como já devem saber, o fato de ser famoso pouco importa se o conteúdo do livro é inútil ou se está promovendo ideias ruins e anti-pragmáticas, não é o caso do livro, estamos falando de uma história sobre um funcionário público que passou sua vida estagnado e inerte em relação ao mundo, procurando viver de medíocre sem perspectiva de subir de nível ou grandes aspirações, com uma mulher insensível e amargurada com filhos devassos que não ligam para os pais, um círculo de mediocridade e passividade, com amigos que não se importam sendo Ivan Ilych alguém profundamente solitário e vazio. O auge do livro consiste quando Ivan Ilych se fere e cai enfermo com dores acreditando ter sido acometido por uma doença terminal, seu sofrimento é alargado e mesmo com os melhores médicos não consegue conter as dores, é então que o personagem começa a refletir sobre sua vida, sobre seus erros, acertos, arrependimentos e etc. Chegando a triste conclusão de que sua vida não valeu a pena, entrando em uma profunda tristeza.

A tristeza de Ivan é atenuada quando um jovem empregado passa a cuidar dele, o jovem, vibrante e feliz também é uma das causas da tristeza de Ivan, já que o mesmo vê no jovem aquilo que queria ter sido, Ivan durante toda sua vida foi alguém insensível e nunca amou ninguém de verdade, estando preso em uma rotina de comodismo e desesperança. A parte crítica do livro consiste em que Ivan, perdido em uma rotina monótona e sem sal, termina desperdiçando toda sua vida, coisa da qual ele mesmo foi o responsável, sendo insensível e um exímio comodista, Ivan se dá conta disso, no entanto era tarde demais, a morte já havia chegado para ele, nos mostrando que não somos imortais e o que fazemos tem consequência e que o tempo não retorna, a lição do livro, dada de forma bem amarga, é que não devemos ser comodistas, estáticos, monótonos porque isso leva à mediocridade e a um profundo e repentino arrependimento. Quantas coisas não deixamos para depois ou simplesmente não fazemos porquê nos parece difícil ou fora do status quo? De forma simples e direta, Ivan Ilyich ao final se arrepende de ser tão acomodado, de ter negligenciado o amor aos seu filhos e esposa.


Sonata Kreutzer:

Sonata Kreutzer é um romance pouco conhecido e pouco difundido de Tolstoy que dentre outras temáticas logra discorrer sobre o direito feminino e o roll da mulher na sociedade, uma discussão que estava ganhando força na Europa com os movimentos femininistas. Simplesmente não quero falar sobre o que se tornou esse movimento na atualidade, sobre o livro em si é um tanto confuso o que o autor quis passar ou transpassar, ao mesmo tempo que é uma história sobre feminismo também é uma história sobre um assassino que mata a sua mulher simplesmente por não lhe agradava com justificativas uma mais tosca que a outra fazendo certas divagações em forma de confissão. Como monólogo e ensaio sobre questões do papel da mulher na sociedade é um bom estudo, no que tange a escritura é um livro para lá de tedioso, sem dúvidas possui esse ar de livro culto e intelectual e até em termos de plot há algo de interessante sendo um caso de assassinato relatado em forma de monólogo todavia falha em construir uma atmosfera interessante em torno do caso. Falha porque Tolstoy queria por assim dizer relatar a monotonia da vida conjugal da forma mais realista e palatável aos leitores possível, creio pois que sem erro de todas as novelas de Tolstoy essa uma das mais fracas.

Felicidade Conjugal e O diabo

Vimos em Sonata Kreutzer, em Ana Karenina e até mesmo em Guerra e Paz que a vida conjugal é algo que fascína Tolstoy, sobretudo casos de traição, especialmente casos de traição, em felicidade conjugal conhecemos a história de uma mulher amargurada e cínica que vive uma entre muitas aspas "vida perfeita" com o seu marido que é outro cínico distante e frio. Esse livro parece-me sobretudo um livro paralello A Morte de Ivan Ilytch narrado desde a perspectiva de uma esposa fria e sombria que esconde vários pensamentos distorcidos e amargos. Me recorda algo como "A Dócil" de Dostoyevsky já que tratam dos mesmos temas. É uma das melhores novelas de Tolstoy em compania de O Diabo que narra a história de um homem incapaz de resistir a tentação de trair sua esposa com outra qualquer, novamente, um prato cheio para Freud fazer suas conjecturas toscas sobre homossexualidade e hedonismo. O diabo é escrito em forma de carta e confissão, está cheio de suspense por não sabemos qual fim terá o protagonista, se será pego, se cairá na tentação de trair sua esposa ou mesmo se pretende cometer um crime dado as suas bizarras conjecturas. É em linhas gerais um romance sobre equilíbrio e sobre não se deixar levar pelos prazeres venéreos. O final é um show a parte sendo um mindblowing(explode-cabeças) e deixando um mistério sobre se o homem traiu ou não a esposa.

Os Contos de Tolstoy

Em relação aos seus contos encontro algo débil em relação as suas novelas, suas novelas no geral contavam com algo de interessante pelo menos por parte dos personagens nos dando insights interessantes e reflexivos, em seus contos reinava uma áurea de conto de fadas mau planejado e apressado. É o caso de "O sonho" ou "Meu Sonho" um texto chatíssimo sobre aristocratas conversando sobre uma vida conjugal perfeita e sobre heranças ou mesmo outros como "Do que vive o Homem" um texto que teria potencial para ser algo reflexivo sobre a condição humana da pobreza e sobre como amor pode superar qualquer obstáculo inclusive o obstáculo da fome, todavia a pressa do autor em concluir o trabalho arruinou a atmosfera de magia nos entregando um conto breve sobre um sujeito que se fez anjo para mostrar o melhor de um camponês e sua família humilde. Outros contos chegam a caricato como "Ivan o Imbécil" um dos contos menos entediantes sobre um gigante idiota que recebe o poder de pedir qualquer coisa, é uma fábula intessante e fez me recordar de algumas obras de Walt Disney. Os contos de Tolstoy em relação as suas novelas são totalmente dispares tendo em vista que seus contos focam em um público mais infantil enquanto que suas novelas são direcionadas a adultos e até certo ponto é um aspecto que respeito profundamente em Tolstoy, que é o fato dele ser um dos escritores mais versáteis que já existiu, compondo vários contos e romances que variam sobre os mais variados temas como conflitos, guerras, casamento, religião, filosofia, magia e etc a textos teóricos, sociológicos e eruditos. Poucos escritores conseguiram transitar entre serem cômicos e reflexivos sem que um dos dois elementos pareçam alienígenas entre si. Sem dúvidas um homem excepcional.


De quanta Terra Precisa um Homem?

Mencionei que Tolstoy como contista era algo medíocre? Bom, é um prazer contradizer a mim mesmo com esse breve conto sobre o expansionismo, how much land does man narra a história de um homem que comprou várias terras, que se expandiu ao limite anexando e comprando várias fazendas ao redor do mundo e dedicou sua vida a conquistar e comprar fazendas até o fim de seus dias quando que parafraseando o texto "sua morte chegara e para o homem que sonhou em conquistar toda a terra possível, 7 palmos de terra foram-lhe suficientes para". O conto é uma crítica direta ao expansionismo do império russo que desde SEMPRE existiu, muitos acreditam que o atual conflito entre Ucrânia e Rússia surgira em 2022 ou em 2015, é necessário saber que essa questão é tratada desde muito antes do bolchevismo soviético, desde tempos há uma discussão sobre o tamanho da Rússia para que afinal as autoridades russas desejavam tantas terras sendo que já eram em si o maior império do planeta. A resposta breve e simples pode ser dada pelo expansionismo das potencias de fronteiras terrestres em detrimento das potencias de fronteiras marítimas, o império russo dominou por um bom tempo todo o hemisfério norte da ásia e pouco a pouco perderam esse controle e sequer sobre o brutal regime soviético conseguiram manter esse domínio pelo simples motivo de ser inviável a qualquer país manter tantas regiões sem enfraquecer a economia pelas regiões, províncias ou estados deficitários, é só ver o caso de países como Brasil ou a própria Rússia, é impossível manter o domínio sobre regiões dispares em produção e em cultura sem que haja um sistema de exploração onde os estados que produzem sejam sugados por estados deficitários. Se o governo central opta por não ajudar essas regiões, as mesmas tendem a cair nas mãos de grupos separatistas, como ocorreu na Ucrânia ou mesmo o próprio estado tendo de dar independência aos separatistas por uma questão econômica. Regiões que anteriormente pertenciam ao império russo ou ao império bolchevique foram forçados a se dissociar territorialmente. Afinal o que é a Rússia de hoje se não uma colcha de retalhos sustentada por uma força armada e logística remanecente do regime soviético? Acredito fortemente que se a Rússia fosse apenas Moscou seria uma potência absurda e incauculável.

Pais e Filhos:

Ivan Turgueniev e o Niilismo: com Tolstoy a literatura russa ganhou tons mais realistas, no entanto na Europa pós revolução, ideias novas surgiam e rodavam o imaginário intelectual da época com obras que enalteciam o utopismo, a igualdade como as obras de Russeau que influenciaram grandemente Tolstoy em seu livro Guerra e Paz onde ele elabora melhor a tese de que somos produtos do meio, de que o homem nasce puro, que é possível alcançar o paraíso na Terra onde todos somos iguais, temos também sujeitos mais exóticos que pregavam a anulação das leis morais, que pregavam o absurdo do mundo, suas contradições e injustiças alegando que nada faz sentido, os famosos niilistas. Foi na obra de Ivan Turgueniev que o termo Niilismo se popularizou, onde o protagonista do romance Evgueni Vassílievitch Bazárov alega não acreditar em nada, nem em Deus, nem na filosofia, apenas na ciência e no empirismo, algo bastante similar as ideias kantianas, ignorando o fato de que a própria percepção humana da realidade é limitada. Críticas a parte o personagem de Bazárov em Pais e Filhos representa o surgimento do Niilismo no cenário intelectual russo, que faz parte dessas idéias importadas da Europa já que, antecipando a crítica a Dostoyevsky, os intelectuais russos agiam com um certo servilismo em relação aos europeus, o racionalismo era moda e a "queda" da metafísica antecipada por Kant foi o estopim para outras ideias como o egoísmo racional de Stirner, o evolucionismo de Charles Darwin, o comunismo de Marx e Engels e etc, todas essas teorias romperam com transcende e a espiritualidade, anulando Deus da equação, o resultado disso é o que vemos e vimos no século 21 e 20, guerras, matanças, destruição dos valores, da fé, da religião, deturpação da ética, da natureza, da arte e etc. Mas essa crítica eu deixo para que Dostoyevsky explique.


Primeiro Amor

Turgueniev também escreveu outros livros como Primeiro Amor, um texto algo amador sobre um sujeito que conta sobre... o Seu primeiro amor que é sobre um filho e um pai se apaixonando por uma mesma mulher, mulher essa que é casada.... Freudianos explodindo agora, sim, algo redudante, não é a minha leitura preferida dele e contudo não é uma leitura ruim, para ser sincero fora de Pais e Filhos não encontro muito material para analisar de Turgueniev fora do seu magnum opus Pais e Filhos. First Love é um texto entediante e sinceramente de mau gosto inclusive para um autor de tanto renome como é Turgueniev.

Passando por Turgueniev temos outro Ivan, Ivan Goncharov, esse sim com uma excelente e exemplar novela chamada Oblomov que é nada mais nada menos que a história de um homem extremamente preguiçoso que não consegue levantar da cama... Yeah!! Brincadeiras a parte esse é um dos textos mais interassantes que já li na vida, é como um certo amigo disse "Welcome to the nhk" Russian version, é inclusive melhor que Nhk por ser ainda mais sombrio e de adentrar ainda mais na mente do protagonista até um nível psíquico, é simplesmente genial o trabalho psicológico que Goncharov realizou nessa obra, não só psicológico como crítico de uma forma tão humana que é impossível não sentir empatia pelo protagonista. É uma leitura enriquecedora cheia de reflexões. Tristemente o nosso querido Goncharov só escreveu Oblomov(na verdade ele escreveu outras só que eu não consegui encontrar em lugar nenhum virtualmente).

segue a resenha de Oblomov:

Como é estar morto em vida? Como seria ter a vida de alguém que vive para acordar, comer, dormir e não fazer mais nada, uma vida de sedentarismo e hedonismo que parece infinita, de pronto a sua vida está estagnada, você nem se levanta mais, não toma sol e vive isolado sem viver a vida, não amigo não estou descrevendo os otakus, estou descrevendo a vida de Ilya Ilych Oblómov um nobre senhor que vive na Rússia Czarista do século 18 em uma cidade pacata onde quase nada ocorre. Oblomóv é um alerta e uma crítica amarga e intragável sobre o sedentarismo, o comodismo e as jaulas mentais que nos aprisionam de fazer as coisas normalmente, é uma viagem na mente de um sujeito que perdeu completamente a vontade de viver, um típico comodista, se fosse para usar termos comparativos diria que é como a versão em livro de Welcome to the NHK(sim eu sei que o mangá é inspirado em uma novel, cala-te) ambos casos(Satou/Oblomov) são sobre um sujeito que não consegue sair do quarto, que basicamente não vive, que não é um cretino completo mas alimenta comportamentos perniciosos e que encontraram em outra pessoa um motivo para viver. Todavia eu digo que Oblomov logrou ser ainda mais dark e psicológico que NHK(se é que é possível) e possui implicações sinistras quando começas a pensar.

Oblomov segue uma linha narrativa de descrição sequenciada por diálogos que focam em descrever e desenvolver as características e personalidades dos personagens, dando pouca importância para o cenário ou coisas de fundo como casas e etc. Para Ilya temos a descrição de um gordo sedentário com sérios sinais de depressão e falta de motivação, Ilya é um personagem para lá de complexo porque não só é detalhado seu modo de vida e personalidade também nos é exposto trechos da sua psique com a segunda parte nos dando todo um contexto psicológico do porque Ilya terminou assim, apático e distante. Ilya recebeu desde a infância uma espécie de super proteção da mãe que lhe basicamente o impediu de ter contato com coisas mais agressivas como bullying, somado ao fato de Ilya viver em uma vila onde reina a fartura e a abundância, onde os servos comem 5 vezes por dia e os senhores comem o dobro, vila dos sonhos de qualquer um, de modo que Ilya jamais teve contato com o sofrimento ou decepções, viveu uma vida livre de qualquer preocupação, o que se paras pra pensar foi exatamente essa a razão pela qual Ilya se tornou um hedonista.

Sabemos que o ser humano trabalha, tem dinheiro e busca comida por fatores de subsistência, trabalhamos para ter dinheiro e temos dinheiro para ter comida, temos comida para não passar fome, há um propósito para cada um, todos temos um motivo em especial para levantar todos os dias e não apodrecer numa cama, esse motivo pode partir de diversas situações, agora imagine uma realidade onde não há nada para lutar, onde não há preocupações e tudo se resume a prazer e mais prazer, seria uma maravilha nos primeiros anos mas rapidamente se tornaria algo cinza e sem graça porque perderíamos o propósito de existir já que mesmo os prazeres enjoam rapidamente se não há estímulos ou mesmo um intervalo entre eles. Esse mundo de hedonismo e indolência rapidamente gera um vazio existencial que só pode ser artificialmente suprido por outros prazeres e assim se cria um ciclo onde o individuo se torna totalmente conformado em estar dopado, assim surgem vários casos de depressão e outros transtornos mentais.

No caso de Ilya a sua condição de indolência foi plantada pelos seus pais e alimentada pelo próprio durante a vida, o livro nos indaga vários questionamentos filosóficos e existenciais, principalmente sobre o sentido da vida e a falta de sentido, sobre o quão vivo realmente estamos, que marca e que impressão deixamos nas pessoas, será que realmente estamos vivos ou apenas emulando e deixando as coisas que importam de lado, seja por um desejo egoísta ou por um medo interno que nos impede de viver? São algumas das indagações do livro que te colocam para pensar e pensar sobre nossas atitudes. Durante toda a história Ilya topa com figuras medíocres e irrelevantes que nunca obtiveram sucesso, vivendo vidas medíocres e passivas, gerando em Ilya a impressão de que não vale a pena ter uma vida se é para desperdiça-la em algo assim quando se nem se sabe se o sucesso será alcançado. É exatamente aí que Ilya começa a criar prisões mentais que lhe impedem de tomar uma atitude e agir.

É comum hoje em dia o uso do termo "coping" em alguns forúms e redes sociais, que se refere a um otimismo que segundo os que usam o termo seria um abuso do otimismo, algo como "terei sorte hoje e apostarei na loteria e ganharei""em 72 horas o exército intervirá" é uma espécie de otimismo irreal que serve para aludir pessoas que pensam que o mundo é como nos filmes. Com o tempo o "coping" deixou de ser um termo pejorativo usado para evidenciar uma certa ingenuidade para ser um termo usado por fracassados que tentam de todos os modos criar blindagens mentais para não ter que enfrentar os problemas de frente com a ideia de que tudo dará sequencialmente errado, não importando o que se faça se convertendo em um pessimismo irreal e vitimista onde o indivíduo presume um resultado ruim sem sequer tentar. Menciono isso porque é a chave para entender a psicologia de Ilya, Ilya é um sujeito que se convenceu de que nada que ele faça mudará ou importará de todos os modos e que é melhor viver isolado em um quarto divagando e falando sozinho com servos que o desrespeitam.

A condição de Ilya muda quando conhece Olga, uma mulher jovem e bonita que tomada por uma espécie de pena resolve se aproximar de Ilya, desenvolvendo no processo um relacionamento quase recíproco. Ilya enxerga em Olga um motivo para sair do quarto, um motivo para viver, como se a chama da vida voltasse a brilhar no nosso herói. Nesse aspecto me agrada como o livro não retrata Ilya apenas como um cretino sem nenhuma virtude, o autor nem sataniza nem glorifica a personalidade acomodada do protagonista, sendo o mesmo atencioso, sensível, honesto e justo, a crítica recai muito mais no seu comportamento comodista que qualquer outra falha de caráter. O restante dos personagens estão mais para complementar Ilya e o seu desenvolvimento e anti-desenvolvimento. Sim, Ilya tarda alguns capítulos até sair do quarto e conhecer Olga até finalmente se apaixonar, e a parte da dupla romântica consegue ser realmente interessante e superior ao romance em NHK, mais que nada porque em NHK o romance fecha o arco dos personagens e em Oblomóv é desenvolvido todo um arco onde Ilya se apaixona por Olga, se desilude e volta aos velhos hábitos tendo um final sumamente triste nos dando uma mensagem crua mostrando que certas escolhas são irreversíveis, isso é algo que pouquíssimas séries, animes ou filmes podem oferecer.

Digo que o livro é reflexivo e que o final é triste mas na verdade o tom geral da obra é bastante sutil, possui seus momentos tocantes assim como há vários momentos cômicos mais que nada porque Ilya é um personagem agradável fora dos seus problemas, suas interações com o seu criado, com Olga, com os outros amigos e inimigos, inclusive é um tipo mais identificável que os personagens rudes e sanguinários de Dostoyevsky(eu criticando Dostoyevsky, uau que raro). A obra também nos mostra os entraves de se ter um relacionamento, como não é tudo preto e branco como apontam algumas obras, isso é, preocupação com dinheiro, com sentimentos adversos e etc. Poderíamos dizer que a relação de Ilya com Olga foi para nos dar uma mensagem sobre não depender de outras pessoas para obter a própria felicidade, ao mesmo tempo que podemos dizer que a relação com Olga reviveu a chama da vida em Ilya e sobre o quão importante é ter apoio emocional, creio válido ambas interpretações.

Sobre os defeitos do livro, bom, são poucos e incluem o final, pessoalmente desejaria um final otimista para Ilya, um final onde Ilya se casa com Olga ou que desenvolve algo mais vívido como um hobbie ou outra coisa, porque havia uma dose de virtude e carisma em Ilya, não é como o homem do subsolo. Geralmente não reclamo de finais trágicos mas nesse caso eu internamente desejaria um final otimista. Falando do final, foi claramente um encerramento apressado e com time skips que omitem muitos acontecimentos, todavia de modo algum isso destrói tudo que foi construído.
Em conclusão Oblomóv é mais uma obra prima da literatura russa, uma obra profunda com vários dilemas filosóficos, uma fantástica exploração psicológica sobre temas tão relevantes hoje em dia, porque fora da trama, estamos falando de um livro escrito no século 18 quando sequer existia a ideia de Hikikomoris ou neets. Me agrada a mensagem de escolher viver invés de cair na inércia, que estar respirando não significa necessariamente estar vivo, que o sofrimento faz parte da vida e que devemos sofrer, que a falta de sofrimento por si só cria outros sofrimentos, um livro que facilmente entrará para o meu top livros.

A Lady Macbeth de Mtsensk

Lady Macbeth, detesto tanto a obra original de Shakespeare quanto essa de Nikolai Leskov, bem, exagero, eu só a considero medíocre, ou menos, uma obra que falta algo mais picante digamos assim(não falo de nenhum erotismo) é basicamente uma obra sobre o dilema de denunciar alguém que você ama ou não, sobre o papel da mulher na sociedade europeia. Também é uma história sobre assassinato tal como a obra de Shakespeare.



Dostoyevsky e o realismo: Bem eu creio que é redundante falar a importância de Dostoyevsky na construção desse texto, na verdade todo esse texto foi escrito pensando nessa parte, Dostoyevsky é para a literatura o que Hideaki Anno foi para a indústria de anime, sendo não o primeiro mas um dos expoentes do gênero das novelas psicológicas, recebendo influencias de autores como Honoré Balzac e Alexandre Dumas Dsotoyevsky logrou criar uma gama de histórias filosóficas que entravam no terreno do existencialismo, por muito se considera ele como o pai do existencialismo em vez de Kierkgard. Suas obras se caracterizam pela introspecção e por um certo padrão de personagens que podemos analisar; segue a análise;



Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, simplesmente Dostoiévski é o romancista mais importante da história da Rússia, estando ao lado de gigantes como Miguel Cevantes ou Shakespeare, com suas obras alcançando um nível de relevância que transcende o próprio período do autor pois como sabem, o que faz um autor ser relevante não o quão popular ele foi em seu tempo mas sim se sua obra permanece precisa em termos históricos e sociológicos. Estamos falando de um escritor psicológico em toda regra, cujo os personagens estão aí para retratar problemas sociais, filosóficos e políticos, ou pelo menos em sua maioria com algumas exceções interessantes que fazem da sua obra algo enriquecedor não apenas em termos literários como também em termos filosóficos, suas histórias estão carregadas de simbolismos sutis que coloca o leitor em um estado de meditação e reflexão sobre as ações e pensamentos dos personagens que ele representa, seus personagens em muitos casos são tão psicológicos que entram no terreno do existencialismo. Seus temas além de dotados de uma variedade de gêneros literários, passando por obras sobre assassinatos até obras sobre revoluções, quase sempre carregados de alguma reflexão que é expressa as vezes direta ou indiretamente pelo próprio autor.


Dostoiévski apesar de ser anti-comunista, também não era 100% pró individualismo, chegando inclusive a criticar ferrenhamente os que se dizem egoístas racionais, que é uma outra vertente filosófica da época, ele acreditava que era essencial o contato humano e que carregamos conosco um grande vazio que apenas pode ser preenchido por Deus e pelos valores cristãos, que estarmos absolutamente sozinhos levaria a coisas como depressão, suicídio, ansiedade e demais problemas que se tornaram uma verdadeira moda no mundo secular. considero sua crítica em relação ao individualismo a mais exata e precisa já que carrega consigo vários questionamentos de caráter existencial, por exemplo, a falta de Deus e do amor ao próximo leva a um estado de amoralidade onde o indivíduo cria para si próprio um sistema moral para não ser consumido pela loucura de achar que não existem valores e logo não existe uma ordem preestabelecida, criando um paralelismo com o Übermensch de Nietzsche, um sujeito que superou o sistema moral vigente. Dostoiévski tem o mérito de ter antecipado aquilo que Nietzsche escreveria tempos depois.

Contudo seria entediante e bastante pretensioso se Dostoiévski escreve tudo isso que eu disse de forma direta em forma de sermão, seriam obras panfletárias carentes de valor artístico, o que como já sabem não é o caso. Os personagens ateus de Dostoiévski são sumamente humanos e possuem toda uma justificativa para pensar do modo que pensam, Raskolnikov por exemplo ou tipos mais exóticos como Fyodor Karamazov e o Homem do Subsolo. Cada um possui uma lógica interna que faz com que pareçam que estão certos, todavia o fim de cada um desses personagens está cheio de amargura, tristeza e miséria, não porque o autor seja um sádico que castiga os personagens dos quais discorda ideologicamente, mas sim através das próprias ações dos personagens, dando ênfase na escolha individual, a forma correta de escrever uma tragédia. Dostoiévski acreditava que nossos pensamentos induzem nossas ações, ser ateu nos induz a acreditar que as coisas não possuem tanto valor, tornando o indivíduo cínico em relação às coisas. Indo além da crítica aos movimentos revolucionários, o russo também criticava por vezes a falsa religiosidade bem com o cinismo e a inércia das classes superiores em sua época.

Fora de sua obra também cabe destaque para sua vida pessoal, sendo ele alguém que sofria de epilepsia e constantes infortúnios como perder a esposa, a filha e o irmão tudo em um período muito próximo, de ter se endividado, de ter sido preso e estando sempre em uma linha tênue entre escrever e sobreviver. Sua história de vida é algo bastante inspiracional e sem sombra de dúvidas foi o melhor romancista que a Rússia já produziu.

Sobre suas obras vale ressaltar que isso aqui será mais um review do que uma análise, porque se eu fosse parar para analisar cada uma das obras dele, esse texto teria mais de 100 mil caracteres. Também vale lembrar que não li tudo dele obviamente, deixo de fora o romance "O Adolescente" e coisas mais autobiográficas como "Memória da casa dos mortos". Sobre o romance O Adolescente, não encontrei em lugar nenhum uma cópia, nem físico nem virtual, de modo que pode tornar o meu review incompleto e que pretendo corrigir assim que encontrar o livro.

GENTE POBRE(1844):

O primeiro romance de Dostoiévski, obra que lhe concedeu de cara já uma certa relevância na época, em especial nos meios revolucionários onde foi bastante elogiado ao retratar os problemas sociais e econômicos que a Rússia sofria na época. O livro conta a história de Makar Alekseyevich Devushkin, ou simplesmente Devushkin para encurtar, e de Varvara Alekseyevna Dobroselova, de novo, apenas Varvara, onde ambos trocam cartas relatando um ao outro o que se passa em suas vidas, ambos estão em uma espécie de namoro ou romance não declarado, são extremamente pobres e lutam diariamente para sobreviver para quem sabe um dia se encontrarem. Sendo Devushkin um homem gentil e bondoso e Varvara humilde e dócil, ao mesmo tempo que são virtuosos, também estão dotados de defeitos que faz com que sejam mais humanos do que apenas um casal comum de alguma história genérica onde o mocinho e a mocinha são puros. Devushkin por exemplo é um tanto alcólatra e comodista, coisa que irrita Varvara que apesar de boa, termina escolhendo ficar com um velho de condição mais elevada, deixando Devushkin em uma pilha de tristeza e depressão.


Esse livro me recordou outros romances de frustrados como "Sofrimentos de Werther" só que elevado a nona potência. Os dois protagonistas são interessantes já que não são nem desprezíveis nem excessivamente bons, é uma boa representação do populacho médio da Rússia no século 19 já que até então não havia esse cuidado de humanizar as classes mais baixas e coisas como generosidade, bondade e amor eram representadas apenas entre as classes superiores. O livro é quase que inteiramente escrito em cartas, uma forma criativa de detalhar o pensamento e as ações dos personagens, sendo esse um romance nada convencional e até pode-se considerar uma desconstrução do gênero(no bom sentido). O maior problema com esse livro é que os dois personagens são constantemente colocados em situações ruins de uma forma que não natural para gerar pena e termina criando um certo melodrama, alguns acontecimentos são um tanto apressados e o autor exagera muito na adjetivação dos termos. Sobre as cartas dos personagens, possuem certo grau psicológico e ao mesmo tempo filosófico com Devushkin explicando suas angústias sobre seu futuro e indagando algumas reflexões bastante pertinentes como a injustiça econômica do mundo, "na vida a gente tem que entender que um nasce pra sofrer enquanto o outro ri".

7/10



O DUPLO(1844):

Seguindo a linha de tragédia psicológica temos O Duplo, um romance estranho e difícil de entender que precede suas grandes obras psicológicas, essa por sua vez conta a história de Yakóv Petróvich Golyadkin, um funcionário público que está enloquecendo devido a uma psicose onde pensa que está sendo substituído por outro Golyadkin. A história começa quando um médico alerta que seu comportamento era perigosamente antissocial e Golyadkin então, tenta socializar mas fracassa pelo seu jeito "peculiar" de agir, uma sucessão de erros termina fazendo com que ele fosse expulso dos lugares em que frequentava, quando ele encontra a si mesmo, Golyadkin Jr que é diferente do Golyadkin normal já que este tem carisma e habilidades sociais que o Golyadkin original não tem, pouco a pouco Golyadkin Jr vai tomando seu lugar e pouco a pouco o Golyadkin normal vai desaparecendo e é ai que ele entra em um surto psicótico onde passa a ver várias réplicas de si mesmo, o livro termina com ele sendo levado a um hospício pelo seu médico.

Bién, Bién, o que dizer desse livro? É difícil entender o que o autor quis passar, existem várias interpretações e uma delas é de que Dostoiévski quis representar a loucura pela loucura, sem grandes pretensões, tal como o "diário de um louco" de Gogol, ainda sim é possível encontrar coisas interessantes nesse livro como o desparecimento da identidade de Golyadkin, como esse está procurando desesperadamente por uma identidade que o torne mais sociável e querido pelas pessoas, coisa que se materializa no personagem de Golyadkin Jr, ele possui tudo que Golyadkin primeiro desejava e ainda sim, ao passo que essa personalidade vai dominando Golyadkin, este cria uma certa repulsa sobre o duplo e termina entrando em colapso mental ao perceber que estava na verdade perdendo sua identidade, poderia ser um criticismo sobre como estamos constantemente desfigurando nossas próprias personalidades pela aceitação social? Não sei e sinceramente tenho medo de pensar nisso.

De modo que O Duplo é uma obra interessante e competente em detalhar a mente de um psicótico, as interações de Golyadkin com as outras pessoas também é interessante, sobre o personagem de Golyadkin, é bem explorado e profundo. O problema principal do livro é que parece não ter propósito, é apenas a abordagem de um louco, não há uma grande mensagem por trás e acredito que Dostoiévski poderia ter explorado mais o passado de Golyadkin e sua fase antes de enlouquecer, no caso do livro ele já nos é apresentado como louco, se fosse ao contrário seria ainda mais impactante e a mensagem que mencionei acima seria ainda mais potente. A ideia de abordar a questão das doenças mentais de uma forma mais psicológica em vez de ser em forma de escárnio também é digno de elogio, por fim considero um bom livro, mas fraco em vários aspectos e por fim;

7/10

A SENHORIA:

Depois que o recluso e estudioso estudioso Vasily Ordynov é obrigado a deixar seu apartamento, ele vagueia sem rumo por São Petersburgo, contemplando seu desespero por uma vida sem amor, sua infância e seu futuro. Por meio dessa distração, ele se encontra dentro de uma igreja, onde nota um velho, Ilia Murin, com sua jovem esposa, Katerina. Seu fascínio pelo casal, principalmente por Katerina, faz com que ele planeje novos encontros, com a intenção de conseguir hospedagem na casa deles. Ele se torna o hóspede da casa deles. O sombrio Murin é considerado um Velho Crente, com poderes de clarividência que perturbaram seus vizinhos e a polícia local, e que parecem controlar sua esposa. Katerina dá a entender que Murin era amante de sua mãe, que ela pode ser filha biológica de Murin e que os dois fugiram juntos depois que ele matou seu pai. Há uma sugestão não resolvida de que Murin causou a morte do noivo de Katerina durante sua fuga.

Para muitos a Senhoria é o percursor de O Grande Inquisidor de Irmãos Karamazov e para outros pode ser interpretado como uma crítica a religião sendo Murin a representação da igreja e etc. A senhoria configura como um desses romances fracos e sem muita coisa pra analisar se não o contexto e as teorias em volta. Não muito além. É também de se ressaltar que Ordynov é o precursor de personagens como "Nietochka" e "Mishkyn".

Nietochka Nezvanona:

Nietochka Nezvanova, Netotka Niezanova, Nietoska Ezvano... como seja, é um trabalho incompleto de ninguém menos que Fyodor Dostoyevsky, um dos seus trabalhos pré prisão siberiana, é um romance que inaugura uma fase mais romântica bastante influenciada por Pushkin e Byron com um tom mais melodramático que tem aqui e ali de crítica social alá Os miseráveis de Victor Hugo, algo não muito alienígena ao autor um livro para lá de dramático inclusive para o próprio Dostoyevsky que conta a história de uma garotinha boa e nobre de coração que vive em um bairro extremamente pobre da Rússia com sua mãe e seu padrasto que é um músico canalha da pior espécie que a engana e mente durante toda sua passagem na obra.
Dostoyevsky escrevera Netochka Nezvanona em uma época de apogeu da literatura russa tendo que disputar terreno com gigantes como Ivan Goncharov(Autor de Oblomov) e Leo Tolstoy(Autor de Guerra e Paz) em um terreno dominado pelos romances sociais influenciado pelo romantismo britânico mesclado com o positivismo francês que veio a dar origem a vários dos maiores clássicos da literatura mundial.

Assim sendo Dostoyevsky só tinha uma missão, fazer um romance dramático com crítica social de fundo, algo que é real até certa parte do livro. Refiro a primeira parte do livro como a melhor coisa do livro já que explora o início desestruturado da protagonista bem como a sua vida frente a pobreza da época. Bien, o início é exemplar e está repleto de cenas comoventes e psicológicas como qualquer livro do Dostoyevsky, nossa empatia pela personagem é totalmente justificada pelo fato de ser uma criança inocente que é constantemente enganada pelo padrasto canalha e tudo termina de forma bem trágica de forma que é impossível não sentir ao menos uma ponta de tristeza pela protagonista. Com um início forte assim eu esperaria algo na qualidade de um "Idiota"(sua obra posterior a sibéria) ou no mínimo "Gente Pobre"(pré-sibéria) mas infelizmente a coisa foi ganhando contornos no mínino dos mínimos estranhos e até grotescos com a protagonista sendo salva por um príncipe de província e recebendo um tratamento a lá branca de neve sendo a filha pobre versus a filha rica.

Nesse ponto do texto onde a protagonista já havia superado a miséria ainda estava com altas expectativas até que o autor foi degradando por completo o estado psicológico da protagonista estabelecendo-a como uma masoquista emocionalmente instável com tendências homo-eróticas.... O que me irrita nessa segunda parte é que toda a caracterização de Nezvanova como uma criança bondosa e inocente é subvertida por uma caracterização sadista onde a protagonista é enganada consecutivamente por todo tipo de gente canalha da forma mais grosseira e estúpida possível. O relacionamento da protagonista com a princesa(sim, em plena Rússia czarista camponesa altamente patriarcal e militarista o sujeito escreveu um romance lésbico) e não há como negar que é um relacionamento porque o mesmo texto diz incessantemente que a protagonista está perdidamente apaixonada pela princesa por literalmente zero motivos, a princesa a trata mau, desmerece pelas suas origens, a engana e incrimina várias vezes e com um passe de mágica a princesa também passa a amar Nezvanova e de repente tudo vira um trisal(como de dá asc...)(aposto que os freudianos gozaram pelos olhos com essas cenas) Nezvanova vira a cadel... criada da princesa junto de seu marido, um tipo para lá de bizarro(a cena de patrick bateman vindo na minha mente) até que Nezvanova decide que não vai mais ser um cão adestrado da princesa do nada e a novela acaba, claro não mencionei o melodrama que é um dos aspectos que mais detesto desse movimento romantista.

É um trabalho que infelizmente(ou felizmente) não foi finalizado porque o autor estava enfrentando processos jurídicos(levando porrada no lombo) rs, assim que é injusto falar com 100% de certeza que essa novela é ruim, teve um começo ameno e foi escalando para algo triste e em seguida algo decadente e por fim algo grotesco.

Basicamente na minha humilde opinião é o pior trabalho de Dostoyevsky.


NOTAS DO SUBSOLO(1864): Uma evolução temática significativa em comparação com suas primeiras novelas, esta por sua vez está rica e bem detalhada nos aspectos psicológicos e filosóficos, sendo uma obra fortíssima que critica os aspectos do individualismo racionalista, uma tendência que surgiu com o apogeu do ateísmo e das ideias liberais. Não é uma história fácil de ler, não que seja grande em tamanho(com pouco mais que 90 páginas) mas pela linguagem que é apresentada em forma de monólogo onde o protagonista escreve as coisas que pensa. Notas do subsolo conta a história de um homem amargurado e isolado da sociedade, que vive da aposentadoria em um subsolo insalubre onde vive sem amigos e isolado completamente do mundo. A primeira parte o homem do subsolo(não possui nome) narra sua trajetória e seus pensamentos de forma desconexa onde exprime toda sua raiva em relação à sociedade, criticando a religião, a ciência e tudo mais, refletindo sobre o despropósito que estava sendo sua vida nos últimos anos.

Dentre os temas mais importantes cabe destacar o niilismo, que é amplamente criticado nessa obra através do personagem do subsolo que, se distanciando do mundo e das pessoas no geral, estaria vivendo a filosofia individualista que era tão pregada na época em que o livro foi escrito. O niilismo levou ao homem do subsolo criar para si, um sistema de valores próprios onde ele não tem que se preocupar com ninguém, aliás, lidar com pessoas para ele é muito trabalhoso, no entanto essa carência de contato humano fez com que o homem do subsolo experimentasse um profundo vazio e carência de afeto. No fundo ele se sente vazio e deprimido, ele também se odeia porque ninguém deseja sua presença, coisa que ao longo da novela é demonstrado que ele mesmo causou esse isolamento. Sua falta de contato com as pessoas o levou a criar tendências egoístas e mesquinhas. Ele é amante do próprio ego ao mesmo tempo que reconhece que é um estúpido, que faz sua mente ferver em um sadismo masoquista.

Resenha:

Memórias do subsolo ou notes from underground, foi um livro escrito pelo romancista russo Fyodor Dostoyevsky e que conta a história de um homem(não possui nome oficial, apenas narrador ou simplesmente homem do subsolo) amargurado e depressivo do qual desperdiçou sua vida preso em um subsolo onde começa a escrever sobre suas misérias em um relato catártico, falar sobre Dostoyevsky é sempre interessante, sua forma de escrever, de criar tramas, de explorar temas pertinentes e transcendentes sendo um grande crítico do niilismo ocidental, seu renome não é atoa e está sempre tentando subverter as fórmulas estabelecidas, em Memórias do subsolo somos postos na visão de um homem amargurado e um niilista em toda a regra, que detesta a ciência, a racionalidade, a religião e as pessoas em si abordando de forma psicológica como surgem pessoas assim, não é algo mágico e fantasioso com um protagonista corajoso e bem intencionado nop, é simplesmente um estudo de personagem onde o narrador descreve como chegou ao subsolo e expõe algumas de suas ideias que soam bem contraditórias mas que não deixa de ser interessante ao abordar temas sobre o avanço tecnológico, essência humana, identidade e sobre como estamos caminhando para um futuro onde gradualmente perderemos nossas identidades e individualidades.

O homem do subsolo também critica bastante o positivismo e sobre como a humanidade está constantemente tentando racionalizar extermínios em prol de ideais de justiça e sobre como cada vez mais a vida carece de valores espirituais e sobre como estamos caindo em uma espiral de relativismo onde o nada pode significar alguma coisa, o que tem um ar irônico e trágico já são esses mesmos pensamentos niilistas e relativistas que tornaram o protagonista o que ele é, analisar psicologicamente o protagonista/narrador é complicado já que é um personagem multifacetado e aqui é onde entra a genialidade de Dostoyevsky ao caracterizar de forma correta o personagem, mostrando-nos várias facetas do mesmo, explorando suas ideias, seu passado, sua personalidade, suas inseguranças e etc, soa bem natural e as situações mundanas no qual se mete são interessantes e dão mensagens potentes, o homem do subsolo é um covarde e um relativista, exagera ao extremo a imagem que os tem dele por pura paranoia e falta de contato humano já que se estabeleceu que sempre foi solitário e introvertido, aqui é uma crítica bem dura ao estilo de vida individualista que é tão popular e romantizado nos dias de hoje.

O protagonista é a síntese do termo "overthinking" que é pensar demais e ver coisas onde não existem, está sempre conjecturando sobre oque estão pensando sobre ele colocando-o como uma espécie de centro sendo que ninguém se importa realmente com ele e sendo que ele mesmo sabe que no fundo ninguém se importa com ele e aí vejo certeira a crítica ao estilo de vida individualista, se você não se importa com ninguém então ninguém se importará com você ressaltando a importância de criar vínculos humanos "ter alguém para chorar à minha morte, nem isso tenho" percebendo em um momento de catarse emocional o protagonista por fim se dá conta de todos erros que cometeu com a sua vida até hoje e qual a resolução? simplesmente não há, seria espetacular uma saga onde o protagonista superasse sua covardia e inseguranças mas nop, o livro termina com uma nota amarga e crua onde o protagonista aparenta arrependimento de tudo que passou. Outro ponto pertinente que o livro aborda é a respeito da perda de identidade, pelo fato do protagonista está a tanto tempo sem o mínimo contato, sem ter logrado nada além de ter ficado por décadas preso em um subsolo sujo e fedendo a mofo, isso faz com que a maioria de suas características tenham desaparecidas devido a carência de experiências por uma espécie de covardia moral, ao final do dia sua identidade já havia se perdido, tanto é que não possui nome na obra.

concluindo a resenha diria que esse livro é não só essencial como um dos mais relevantes da literatura mundial, é quase uma carta de advertência à uma tendência que se tornaria popular no mundo, fora disso o protagonista é espetacular a nível de complexidade e a trama é bastante inovadora para a época, me lembra coisas como taxi driver ou evangelion, ao mesmo tempo posso me queixar de que nenhum personagem está aí para se contrapor ao homem do subsolo e que o livro apenas se concentra nele e dando pouca ou nula expressão para outros personagens e posso t


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Russia review

Posted : 1 year, 10 months ago on 30 June 2022 12:45

Falar sobre a Rússia é sempre interessante não só pela história rica e conturbada dela como também é pela ampla gama de artistas e escritores desse povo, sendo Moscou considerada a capital da literatura, o que pode gerar controvérsias entre aqueles que não apreciam tanto o amplo arsenal artístico desse país. Pessoalmente acho a Rússia o país mais fascinante em termos tanto artísticos como histórico já que é um país que passou por inúmeras tragédias e fatos sombrios como as revoluções comunistas do século 20. Contudo nessa análise tentarei me deter em comentar mais o aspecto artístico-literário e algumas explanações a respeito do cenário cultural e intelectual da Rússia nos séculos 19 e início do século 20, gerando uma espécie de revisão, bem como apontamentos sobre o panorama geral dos escritores e artistas russos. Falar de literatura russa é sempre fascinante, eles produziram vários dos melhores escritores que já existiram como Dostoyevsky ou Tolstoy, sempre explorando um lado mais psicológico e mais humano abordando temas realmente relevantes como o niilismo, determinismo, socialismo, teologia e etc. Parte desse brilhantismo descende da Europa de escritores como Lorde Byron ou Goethe que influenciaram grandemente o primeiro nome dessa lista;

Aleksander Pushkin: considerado pai da literatura russa, descendente de escravos africanos Pushkin cresceu sob forte influência do romantismo britânico onde veio a escrever algumas obras que foram essenciais para fundamentar as bases do que viria a ser a literatura russa como Eugene Onegin e a Dama de espadas, que dando spoilers, viria a inspirar obras de peso como Crime e Castigo de Dostoyevsky. Sua escrita como já referi, tem raízes no romantismo britânico semelhante a coisas como Shakespeare ou o Byron sendo em termos mais simples muito mais um poeta que um romancista, de caráter mais liberal tendo inclusive participado de movimentos anti-czar como o movimento dos "dezembristas".

Sobre as suas obras, temos Eugene Onegin que conta a história de um dandi (cavalheiro nobre) que sofre com alguns problemas existenciais como o tédio e a falta de prazer nas coisas, Onegin pode ser descrito como um leve retrato da aristocracia russa, onde nos coloca na pele de um sujeito egoísta, cínico e vaidoso, indiferente as pessoas, seu final é trágico e cabe uma certa análise; a morte de Lensky pode representar a morte da sinceridade em Onegin. É inclusive por essa acidez em relação a nobreza que fez Pushkin ser usado pelos bolcheviques como propaganda contra a elite. Seus outros trabalhos apesar de não serem tão complexos são dignos de menção, obras como "O Tiro" que narra alguns temas como o orgulho ou a humilhação que seria ampliada em obras mais robustas como "O Idiota". Também temos obras como a "A dama de espadas" que narra a história de um alemão que fica encantado com algumas capirotagens de uma condessa e planeja descobrir esses segredos no entanto as coisas terminam mal. A dama de espadas é mais um experimento que serviria de inspiração para obras mais complexas com Crime e Castigo. Apesar de não ser o autor mais transcendental Pushkin foi quem logrou sedimentar um espaço para a Rússia no cenário literário europeu, seu fim, apesar de irônico carrega consigo um grande legado(a saber ele morreu em um duelo, tema recorrente em sua obra) tal como Shakespeare, Camões ou Homero. Ele também solidificou um formato de história que influenciou o próximo sujeito da lista;

Nikolai Gógol e o humor trágico: seguindo a linha temos Gógol que é sucessor de Pushkin em termos de escrita, ele aprofundou aquilo que Pushkin vinha desenvolvendo em sua obra, com tons mais críticos em relação a classe mais baixa denunciando a mediocridade, falta de empatia e cinismo, o que não quer dizer que ele era algum tipo de classista ou algo do tipo, ele em verdade estava criticando esse estilo de vida medíocre que os russos levavam, um exemplo disso é "o capote" sua obra mais famosa que retrata a vida medíocre de um conselheiro titular copista chamado Akaki Akakievitch(nome ruim) um homem medíocre e sem graça, foi funcionário público durante toda a vida até que decide comprar um capote caro juntando vários anos de dinheiro. Esse romance é mais uma denuncia sobre as péssimas condições que viviam e a mediocridade do pensamento médio, Akaki morre terrivelmente e volta para se vingar como fantasma, sendo essa a parte cômica dessa história, um humor sadista e que sinceramente me agradou bastante pelo grotesco e irônico que é, assim é muita de suas obras como o "diário de um homem louco" onde é abordado a questão das doenças mentais de um esquizofrênico que crer ser o rei da Espanha, sua mistura entre os tons de humor e tragédia são bem construídos apesar de que em geral sua obra carece de um maior aprofundamento filosófico e psicológico, contudo foi graças a sua obra que outros autores conseguiram tirar a base para coisas mais complexas como "A Morte de Ivan Illytch" de Tolstoy. Como diria Dostoyevsky "todos viemos de O Capote" referindo-se a literatura russa já que sua obra influenciou vários outros como Ivan Turgueniev, Maiakóvski, Tolstoy,Tchekhov, Gorki e etc.

Tolstoy e a paz na guerra: com Gógol e seu celebre romance "Almas Mortas" é inaugurado uma nova era no cenário literário russo, a Golden Age da literatura iniciou com Gógol e seguiu até Tolstoy em seu célebre livro "Guerra e Paz" que narra as batalhas napoleônicas na Rússia, o romance gira em torno de Pierre Bezukhov que após receber uma fortuna de herança é obrigado a lidar com as responsabilidades desse status social, passando por dilemas filosóficos e espirituais se aliando até a franco-maçonaria, Pierre, se depara então com o fantasma da guerra, seu amigo Andrei Bolkonsky(importante personagem) se decepciona com o mundo após se ferir gravemente, caindo em uma espiral de niilismo. Enquanto isso a batalha entre as tropas de Moscou e as tropas de Napoleão, liderados por Mikhail Tukuzov(general da vida real) os russos conseguem vencer os invencíveis franceses. Para contextualizar melhor, esse romance é um livro histórico sobre as guerras napoleônicas com foco na invasão à Rússia durante o reinado de Alexandre primeiro da família dos Romanov. Nesse período conturbado, a frança vinha através de Napoleão Bonaparte, derrubando monarquias com intenções de estabelecer um governo mundial sobre os ideais revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade, ideais que colocaram abaixo a monarquia de Luís xvi e que estabeleceram uma nova era na humanidade que seguiria pelo caminho do racionalismo, antropocentrismo e "igualdade social" os lemas da nova ordem mundial. Como boa parte da Europa havia sido anexada pelos franceses, restava o inimigo mais forte, os ingleses que são geograficamente separados da Europa, em retaliação aos embargos econômicos e bélicos dos ingleses à França, Napoleão ordenou a todos os países um bloqueio de exportações para a Inglaterra, que ficou conhecido como o bloqueio continental, vendo que seria seriamente prejudicada a Rússia decidiu não aderir ao bloqueio o que serviu de motivo para que Napoleão e suas tropas invadissem a Rússia. Outros países como Portugal também decidiram negar o bloqueio econômico imposto pela França, o que ocasionou o envio de tropas para Lisboa obrigando o rei Dom João Sexto a evacuar estrategicamente para o Brasil, sua colônia na época, para evitar ser deposto, o que poderia invalidar o reinado sobre a colônia brasileira, fortalecendo suas tropas. Enquanto as tropas de Napoleão avançam até Moscou sem muita resistência, os campos e colheitas eram devastados pelos próprios russos, a famosa tática da terra arrasada, uma estratégia criada pelos citas contra o rei Dario e que foi aplicada por Tukuzov e com a ajuda do inverno, as tropas napoleônicas foram reduzindo-se até a batalha de Borodino onde as tropas de Tukuzov enfrentaram os franceses e empataram provocando inúmeras mortes, apesar do empate, os russos saíram moralmente vitoriosos já que acreditava-se impossível vencer o exército francês. O romance de Tolstoy logra retratar historicamente várias batalhas desse período, narrando o cotidiano dos soldados com uma certa exploração psicológica sendo o maior épico dos tempos modernos. É um dos livros mais importantes da história e ainda sim não considero tão grandioso pois possui um certo melodrama em alguns momentos e conta com tantos personagens que é difícil se apegar.

A morte de Ivan Illytch foi outro grande trabalho de Tolstoy e um dos mais obscuros, que narra a história do juiz Ivan Illytch que após se ferir gravemente acaba ficando acamado passando seus últimos dias em uma espécie de transe refletindo sobre toda a sua vida, tocando temas como a responsabilidade pessoal, sentido da vida, falta de amor e futilidade com Ivan Illytch chegando a conclusão final de que viveu sua vida erroneamente, sendo um homem frio em um emprego que ele odeia, com uma esposa que não o ama sem ter aproveitado nada da vida, é um relato angustiante e uma crítica ao funcionalismo público altamente influenciado pelo "Capote" de Gógol, na verdade poderia considera-lo a versão definitiva de "O Capote". Considero essa sua melhor obra.

Ivan Turgueniev e o Niilismo: com Tolstoy a literatura russa ganhou tons mais realistas, no entanto na Europa pós revolução, ideias novas surgiam e rodavam o imaginário intelectual da época com obras que enalteciam o utopismo, a igualdade como as obras de Russeau que influenciaram grandemente Tolstoy em seu livro Guerra e Paz onde ele elabora melhor a tese de Russeau, de que somos produtos do meio, de que o homem nasce puro, que é possível alcançar o paraíso na Terra onde todos somos iguais, temos também sujeitos mais exóticos que pregavam a anulação das leis morais, que pregavam o absurdo do mundo, suas contradições e injustiças alegando que nada faz sentido, os famosos niilistas. Foi na obra de Ivan Turgueniev que o termo Niilismo se popularizou, onde o protagonista do romance Evgueni Vassílievitch Bazárov alega não acreditar em nada, nem em Deus, nem na filosofia, apenas na ciência e no empirismo, algo bastante similar as ideias kantianas, ignorando o fato de que a própria percepção humana da realidade é limitada. Críticas a parte o personagem de Bazárov em Pais e Filhos representa o surgimento do Niilismo no cenário intelectual russo, que faz parte dessas idéias importadas da Europa já que, antecipando a crítica a Dostoyevsky, os intelectuais russos agiam com um certo servilismo em relação aos europeus, o racionalismo era moda e a "queda" da metafísica antecipada por Kant foi o estopim para outras ideias como o egoísmo racional de Stirner, o evolucionismo de Charles Darwin, o comunismo de Marx e Engels e etc, todas essas teorias romperam com transcende e a espiritualidade, anulando Deus da equação, o resultado disso é o que vemos e vimos no século 21 e 20, guerras, matanças, destruição dos valores, da fé, da religião, deturpação da ética, da natureza, da arte e etc. Mas essa crítica eu deixo para que Dostoyevsky explique.

Dostoyevsky e o realismo: é impossível falar de literatura sem mencionar Dostoyevsky, o russo além de possuir uma obra vasta e longa tem o mérito de ter sido lido mundialmente, suas histórias alcançaram boa parte da Europa e moldou a literatura positivamente. Dostoyevsky é meu escritor favorito de todos e creio que valha a pena explicar um pouco de sua história. Dostoyevsky desde cedo bandonou a carreira militar delegada por seus pais e decidiu virar escritor se aliando a um grupo anti-czarista chamado "círculo de Petrashevsky" um grupo de intelectuais socialistas da época, como podem imaginar, devido a dura perseguição do regime czarista, muitos foram presos ou simplesmente fuzilados, nesse tempo dostoyevsky publicou seu primeiro livro "gente pobre" que é um retrato da pobreza que assolava a Rússia, dando especial atenção a situação dos mujiques(camponeses russos). É impossível analisar gente pobre sem entender o contexto tanto do escritor como da própria Rússia, vivendo nas reformas liberais promovidas pelo regime do czar, nesse período a Rússia estava sendo tomada intelectualmente pelos socialistas e niilistas importando ideias da Europa. Após ser preso e quase ser condenado a morte, Dostoyevsky muda radicalmente de ideia e deixa de simpatizar com o socialismo e passa a criticar duramente as ideias seculares se voltando ao cristianismo e a ortodoxia. Apesar de que não menosprezo sua fase socialista, já que as suas obras desse período são realmente boas, no entanto é em sua fase pós exílio que ele se solidifica como o maior escritor da Rússia produzindo suas principais obras: Memórias do Subsolo(1864), Crime e Castigo(1866), Os Demônios(1872), O Idiota(1867) e Irmãos Karamazov (1879)

Começando por memórias do subsolo que narra a história de um homem sem nome que viveu sua vida inteira em um subsolo longe da sociedade, o romance do subsolo é uma crítica feroz aos autores niilistas já que Dostoyevsky nesse período expressava características bastante reacionárias, parte dessa crítica é dirigida a Chernichevski e sua obra "o que fazer" uma obra cheia de feminismos e poligamia que não darei valor pois considero lixo revolucionário "qualquer pessoa consideraria a leitura desse livro tão saboroso quanto comer areia ou serragem" me intriga que esse sujeito fez inclusive Marx aprender russo apenas para lê-lo. Entre miúdos Subsolo também é uma crítica ao individualismo denunciando questões como o abandono, a responsabilidade pessoal, a falta de amor ao próximo, questões que seriam cruciais para as suas próximas obras como Crime e Castigo. Crime e Castigo narra a história do estudante de direito Rodion Romanovich Raskolnikov(me encanta falar esse nome) que decide matar uma velha usurária para pagar sua faculdade, é mais um retrato do abandono, da pobreza e da miséria que estava afundada a Rússia, mostrando o lado mais humano e realista abordando temas como a culpa, consciência, perdão e etc.

O Idiota e o drama de ser bom: já fiz uma resenha/análise desse, cabe ressaltar que essa obra tem um teor mais religioso e trata de temas como a dificuldade de ser cristão, sobre o materialismo e várias outras questões expandidas de forma que é possível se identificar com os protagonistas, meu problema maior com a obra de Turgueniev é que seus personagens são mais lembrados pelas suas ideias do que pela personalidade ou por algum desenvolvimento, Dostoyevsky também cometeu esse erro em algumas ocasiões mas em geral sua obra conta com personagens bem desenvolvidos em relação a suas ideias e psicologia. Aliás esse livro também explana bastante sobre o cenário social da Rússia onde o ateísmo se converteu em uma moda entre os jovens, muitos influenciados pelas ideias revolucionárias.

Os irmãos Karamazov é o evangelion da literatura?: Sua obra final, considerada por Freud e Nietzsche como o melhor romance já escrito, Os irmãos Karamazov narra a história da conturbada família Karamazov onde o patriarca Fyodor, um bêbado boêmio que conseguiu dinheiro a partir da herança de suas falecidas esposas, onde passa o dia em orgias na total falta de valores ensinando a seus filhos o ateísmo, o hedonismo, promiscuidade e tudo que a sociedade moderna ensina aos jovens atuais, Os irmãos Karamazov é o retrato da carência total dos valores cristãos e a consequência primária do Niilismo existencial. Os irmãos Karamazov é a crítica mais dura e consistente a essa visão de mundo que anula Deus e um dos maiores retratos psicológicos que já escritos, sua mistura de temas religiosos com temas políticos e existenciais que de uma certa forma antecipa algumas coisas históricas da própria Rússia como o distanciamento da religião em busca do éden na Terra que como já sabem, provocou todo o caos e destruição do século 20, em termos artísticos esse livro é quase perfeito, digo quase pois o final não é de meu agrado e desejaria um final melhor para Alyosha, infelizmente o autor morreu antes de concluir a segunda parte.

Os demônios e a revolução: deixo os demônios por último pois se trata do texto mais relevante historicamente falando já que antecipou de forma escatológica o assunto do qual irei discorrer, a Rússia passava por momentos de transição onde as ideias liberais passavam, devido a queda da monarquia francesa e a ascensão dos jacobinos bem como o império de Napoleão, fez como que os intelectuais de esquerda se maravilhassem com a possibilidade de romper com as antigas tradições, somado a isso temos a ascensão das ideias marxistas que penetraram na Rússia, passando desapercebida em obras como as de Chernichevski, sendo também retratado o niilismo como apresentado na obra de Turgueniev ou mesmo que alguns círculos intelectuais cultuavam a obra de Russeau como o próprio Tolstoy em sua fase final, isso desencadeou o surgimento de grupos mais violentos como os bolcheviques e mencheviques que durante o período final da primeira guerra mundial tomaram o poder e tudo terminou em uma guerra civil onde os Bolcheviques liderados por Trotsky saíram vitoriosos sobre os mencheviques (liberais) liderados por Aleksander Kerensky, estabelecendo assim o que todos conhecemos como a temível União Soviética. Toda essa questão da revolução e das táticas usadas pelos revolucionários é amplamente discutida e desenvolvida no romance de Dostoyevsky, os demônios é uma sátira/tragédia que narra a vida de um intelectual liberal chamado Stepan Trofimovich Verkovensky que vive sobre os mimos de uma viúva e generala Chamada Várvara Stravoguina, ela o mima em uma espécie de relacionamento moderno, ela também concede a ele a educação de seu filho Nikolai Vselodovich Stravoguin, fora seu filho Piotr Stepanovich Verkovensky, filho de Stepan, para não confundi-los com esses nomes complicados chamaremos Stepan de Verkovensky Pai e Piotr de Verkovensky filho, o Verkovensky pai é um liberal e o Verkovensky filho é um revolucionário radical que sonha em destruir o império czarista. Já Stravoguin é mais um promíscuo hedonista fruto da educação intelectual que recebera de Verkovensky pai. Verkovensky filho em revolta contra a sociedade e tomado pelo Niilismo tenta armar uma revolução na Rússia incendiando uma favela e matando algumas figuras para gerar o caos atuando como um verdadeiro coringa só que com ideias fixas em vez de ser apenas caos pelo caos. Verkovensky filho sonha com uma sociedade igual onde a moral seja anulada e a beleza seja extinta, ele é a representação pura da falta de Deus sendo um ser altamente perigoso e violento, parte do que ele diz sobre a revolução pode elucidar muitas coisas sobre o atual cenário que vemos no Brasil "o juiz que absolve o bandido é dos nossos, o professor que ensina os alunos a anarquia é dos nossos, o intelectual que distorce a história é nosso amigo, o advogado que advoga pelo assassino é dos nossos, as igrejas estão vazias e os bares lotados, esse é o nosso objetivo, destruir a ordem" qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. Já Stravoguin é apenas um promíscuo e seu personagem é o mais complexo da obra com ele protagonizando o capítulo mais macabro da obra(no spoilers). Quanto ao Verkovensky pai, é apenas um tolo liberal que acredita que estamos caminhando para o progresso, ele não é objetivamente mal, é até gentil, porém suas ideias levaram a criação de Stravoguin e Piotr. Uma das razões pelas quais considero Os Demônios superior a País e filhos é que sua crítica e análise do tema é mais profunda dando entraves mais psicológicos aos personagens e expandido o leque de temas envolvendo revoluções, crimes, sátiras e um genuíno desenvolvimento psicológico entre os personagens.

Tchekhov e o fim da Golden Age: não há dúvidas que os 50 a 70 do século 19 foram o auge da literatura russa, produzindo várias das peças mais profundas já escritas, é como a dark sci-fi age dos animes ou os anos 80 de Hollywood, simples o melhor estava lá e com o fim dela, marca-se o início da era de prata com o maior representante do período sendo Anton Tchekhov, um químico e escritor nas horas vagas, como ele mesmo dizia "a ciência é a minha esposa e a literatura é a minha amante" Tchekhov em geral produzia obras curtas, contos para se ler em mais ou menos uma hora ou não mais que isso. Não é um escritor complexo como Tolstoy ou Dostoyevsky e suas obras em geral são simples e carregam um certo engenho que podem prender leitores iniciantes. Suas histórias também possuem um lado bastante feminista que me desagrada Pero se é para desligar o cérebro eu recomendo, suas principais obras são: a dama do cachorrinho, o bilhete, a aposta e o vingador.

Gorki e Maiakóvski, os poetas da Revolução: com o fim da era de prata, a literatura russa teve um período de decadência devido as guerras e a revolução que toliu os direitos artísticos forçando muitos escritores e pensadores ao exílio ou mesmo a prisão nos tenebrosos gulags, como foi o caso de Soljenitsyne, que viera a escrever seu célebre livro "o arquipélago gulag". Contudo a arte conseguiu subsistir através da propaganda pró soviética (a única tolerada) e dentre esses escritores existiram Maiakóvski e Gorki. Maiakóvski era um revolucionário que participou da revolução bolchevique sendo um dos principais expoentes da era soviética, contudo seu valor como artista não é lá muito grande já que suas obras são em geral peças da propaganda comunista com toques poéticos a lá Pushkin sem muito o que comentar, Maiakóvski também sofreu uma certa perseguição pelos próprios membros do regime e seus últimos contos relatavam uma certa desesperança e fatalismo prevendo que a Rússia cairia nas mãos de autocratas megalomaníacos, pouco tempo após sua morte Stalin assume o controle da união soviética, ele morreu em 1930 por suicídio, existem fortes evidências de que o suicídio foi encomendado por membros do regime que estavam realizando uma limpeza entre os antigos membros. É um caso parecido com Gorki que fundou o "Realismo socialista" que é apenas um nome bonito para propaganda leninista, Gorki diferente de Maiakóvski, viu de perto os horrores do comunismo, em sua visita aos campos de concentração na ilha de Solovetski, porém nunca renegou as ideias. ambos autores expressam em suas obras um certo feminismo e apego às ideias marxistas, é por essa razão que são chamados "os poetas da revolução".

Este é o panorama breve da literatura, é óbvio que não há todos os autores ou todos os livros, deixei de fora alguns livros como Ana Kariênina Arquipélago gulag e Oblomov, porque farei uma análise separada desses livros, de modo que o quão bom é a literatura russa? É obrigatório eu diria para qualquer estudioso de literatura e considero sumamente importante ter pelo menos um breve contato com a obra de Dostoyevsky, também é inevitável para quem estuda história seriamente não esbarrar em títulos como guerra e paz ou Arquipélago gulag, concluo que foi uma experiência reveladora.

Ranking:
1-Dostoyevsky 9/10
2-Tolstoy 6/10
3-Gógol 6/10
4-Pushkin 6/10
5-Ivan Turgueniev 5/10


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New Haven-style pizza review

Posted : 10 years, 1 month ago on 28 March 2014 11:18

Some of the best apizza I've ever had has come from Pepe's. Although I'm southern Italian decent and my families home made pizza is more the "Sici" (thick crust) style, Pepe's is absolutley fabulous. If you are ever in the area of any of the pizzerias, stop by and try one. You won't regret it. (A couple of ice cold 'Peroni's" go well with the apizza!)



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Dead Presidents review

Posted : 13 years, 8 months ago on 1 September 2010 01:02

a well acted action packed story - that has real depth - so much more than your average ghetto movie. 9/10


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