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REVIE DA LITERATURA RUSSA PARTE 2 - FINISH HIM

ANÁLISE PROFUNDA:


O abismo que é a mente humana:

Depois de um tempo decidi fazer um remake de minha resenha sobre Memórias do Subsolo porque esta carecia de detalhes mais profundos, a verdade é que esse livro necessitaria de outro livro apenas para explica-lo, tal é a grandiosidade de seus temas, o genial Dostoievski logrou representar através dessa obra vários aspectos sobre a psique humana, desenvolvendo temas como Niilismo existencial, individualismo, egoísmo racional, depressão e um largo etc. O livro gira em torno de um personagem sem nome, mais conhecido como "narrador" ou simplesmente "O homem do subsolo" que se trata de um homem amargurado e mesquinho que decide se isolar em um subsolo passando toda a sua vida distante do mundo, perdido em seus próprios pensamentos onde divaga e escreve algumas coisas sobre a vida. Com esse livro, quis Dostoievski alertar o mundo sobre as ideias que estavam tomando conta do mundo ocidental, antecipando em várias de suas obras, vários movimentos, ideias e acontecimentos, sua obra permanece brutalmente atual e é quase um choque que ele tenha antecipado isso quase 200 anos antes. Passando por temas como comunismo, socialismo, utopismo e anarquismo, o livro do subsolo se concentra mais em torno dos aspectos do niilismo moral que é largamente atacado nessa obra.

Dando um panorama geral, Dostoievski em sua juventude participou de movimentos revolucionários anti-czaristas, sua mudança de mentalidade ocorre quando esteve prestes a ser condenado a enforcamento por conspiração, somado a sua dura e triste história, passando por momentos perturbadores como presenciar a morte de um estudante por um grupo niilista, experiência essa que o impactou profundamente, passando por várias reflexões durante seu tempo de prisão, Dostoievski finalmente percebe o problema que havia em sua filosofia e visão de mundo, é então que, frustrado pelo que presenciou e viu, veio a escrever textos totalmente contrários às ideias que estavam ganhando espaço na Rússia. Cabe esclarecer que grande parte dos pensadores revolucionários da época tiravam suas ideias diretamente do Ocidente fortemente influenciados pelos ideais marxistas e russeaunianos que estavam na moda até então. As discussões a respeito do niilismo na literatura ganha popularidade em 1862, quando Ivan Turgnev publica o seu melhor livro até então "pais e filhos" do qual os personagens discutem a respeito dessa nova ideia que estava se tornando popular nos meios acadêmicos e em especial entre os jovens.

O niilismo na literatura é um tanto antigo e é dotado da velha dúvida sobre a existência ou não de Deus, se Deus não existe então tudo é possível? Se não há Éden então poderíamos criar aqui na Terra o nosso próprio Éden? Os niilistas negam tudo, negam a ordem, a moral e todo conceito ou definição. Um dos pilares do niilismo é o egoísmo racional, essa filosofia prega que devemos maximizar os nossos interesses individuais de uma forma utilitária a fim de buscar a felicidade entre os indivíduos, que deves pensar apenas em ti mesmo, usando de qualquer artifício para lograr essa tal felicidade. Se não consegues enxergar o problema com essa filosofia então estás mau da cabeça. Muitas dessas ideias possuem suas raízes no determinismo racional que é outra corrente de pensamento igualmente errônea já que ignora os aspectos inerentes da natureza humana e reduzem tudo a números em uma tentativa de racionalizar cada aspecto de nossas vidas, até mesmo seu prazer ou dor, humor ou personalidade através de cálculos e da tecnologia, e isso como todos bem sabem evoluiu para o transumanismo que possui implicações ainda mais sinistras desde o ponto de vista filosófico, mas por hora me deterei a falar apenas sobre o egoísmo racional.

Dostoievski via com maus olhos essa ideia de egoísmo racional e considerava um perigo genuíno porque vejamos, glorificar o "eu" é uma ideia bastante perigosa se tomamos em conta de que possuímos falhas e que não somos absolutos, logo carecemos de vários conhecimentos e valores que são adquiridos apenas com o tempo e com outras pessoas, como os nossos pais, idolatrar o "eu" levaria as pessoas inevitavelmente ao egoísmo puro que nos jogaria em uma espiral de loucura e niilismo, basicamente seria algo como "dane-se o mundo, dane-se as pessoas, dane-se tudo e apenas importa a minha pessoa". Para Dostyevski, estaríamos caminhando para um princípio de individualidade extrema, de intensa autopreservação, de egoísmo pessoal, da vivência em função de si mesmo, desgraçadamente ele estava certo e tudo que apontou em suas críticas se intensificaria com o passar dos anos, ao passo que hoje há por ai centenas de pessoas como o homem do subsolo, a tecnologia tomou proporções gigantescas ao ponto de que as interações humanas diminuíram significativamente, tudo se dá através da tecnologia, as pessoas se tornaram mais individualistas e por consequência, mais solitárias e vazias. E estamos caminhando para que haja mais conforto, mais tecnologia, mais comodismo e mais individualismo e por consequência haveria certamente uma expansão de aberrações pelo mundo. Dostoievski acreditava que essa glorificação do "eu" tornaria as pessoas mais frias e por consequência o amor humano esfriaria, conectando com a passagem bíblica de Matheus 24:12 "o amor de muitos esfriará".

O mundo ia por um caminho do qual deixaria de lado a religião, contrastando com as ideias de Dostoievski que clamava pelo retorno às tradições, ele ao contrário acreditava no valor das relações humanas, da religião, do amor fraterno e incondicional, passando sempre em suas histórias a moral cristã e sobre o quão importante é "amar o próximo" não apenas por conveniência ou por esperar algo em troca de forma utilitária, mas sim para estabelecer uma melhor relação e um ambiente mais saudável e humano. "O amor ao próximo não pode sair de nenhum cálculo ou interesse próprio". É então que chegamos finalmente ao livro, o personagem do subsolo totalmente dominado por essa ideia de egoísmo racional, onde ele acredita que está em um nível superior por ter rejeitado a moral e de ter transcendido para um estado mais alto. Ele descreve a si mesmo como um "intelectual moderno", e bién é bem óbvio que hoje em dia estejamos submersos por intelectuais, cientistas e figuras públicas que pregam o individualismo extremo tais como "que podemos fazer o que quisermos pois não há consequências" eu posso ser um hedonista degenerado ou um pervertido libertino e não há problema porque afinal a sociedade que se dane, não tenho que me preocupar com os outros porque sou mais importante que tudo e tudo gira ao redor de mim, acabo de descrever uma parcela significativa da população.

Como mencionei anteriormente vários intelectuais russos estudaram na Europa e importaram essas ideias para o resto do mundo, um desses foi Nikolay Chernyshevsky, outro desses idealistas utópicos que acreditava em sociedades perfeitas regidas pelos cálculos e pela tecnologia tendo como Deus, a ciência e seus livros estão dotados de ideias russeaunianas de que o meio que corrompe o homem e não o homem em si que já é corrompido, ideia essa que já expliquei melhor em minha resenha de "os demônios". Retornando a Chernyshevsky, este compartilhava da ideia de Rousseau de que o homem é naturalmente bom e receptivo da intelectualidade e que se fôssemos regidos pela razão, alcançaríamos a sociedade ideal, a sociedade utópica onde tudo é calculado e que não há sofrimentos ou tristezas e que mesmo essas emoções poderiam ser solucionadas pela tecnologia(drogas, pornografias, realidade virtual ou qualquer coisado tipo) alcançando um estado de individualismo onde o homem não teria capacidade de cometer o mal pois estaria perfeitamente feliz e preservado de dores ou quaisquer mal, um pensamento utópico que continua sendo utópico porque bruh a realidade. Sobre o pensamento utópico e o pensamento messiânico eu já abordei em minha resenha de "Os demônios", mas pincelando um pouco diria que o que torna o pensamento utópico impraticável é justamente a sua natureza idealista que a isola do espaço tempo, sendo algo que está além das condições humanas, por mais que tenhamos tecnologias, continuamos cometendo erros, por mais que tenhamos a ciência, ainda sim não somos perfeitos e sempre haverão guerras, conflitos e discordâncias de pensamento porque o ser humano não pode ser definido por cálculos, somos de certa forma instáveis e imprevisíveis.

Tentar impor a todos um sistema onde tudo é previsível e calculado é impossível, mesmo materialmente já que, não há como prever desastres naturais, guerras e revoltas, o momento atual é uma prova disso, ninguém conseguiria prever uma pandemia ou uma guerra na Europa. O que está mau com esse pensamento de Chernyshevsky é que também nos condiciona a um estado de mediocridade já que se todos formos iguais não haverá graça alguma, a vida se tornará monótona e com toda certeza do mundo haveria alguém para desafiar o status quo. Em seu romance Chernyshevsky idealiza o "palácio de cristal" que representa a conquista da excelência da humanidade, um lugar onde todos os problemas do mundo seriam resolvidos e que se seguíssemos esse caminho, a humanidade teria seu próprio palácio de cristal, dando abertamente um argumento contra o livre arbítrio, analisemos que se tudo pode ser determinado e que sigamos esse modelo determinista, automaticamente perderíamos nosso livre arbítrio e por consequência nossa individualidade, logo esse sistema entraria em um paradoxo incalculável. Para refutar essa ideia, Dostoievski em seu livro "memórias do subsolo" usa o homem do subsolo para demonstrar como essa filosofia de egoísmo racional peca ao desconsiderar toda a natureza humana.

Dostoievski acreditava que o ser humano era falho e que sempre tenderá à irracionalidade, que é instintiva e intuitivamente destrutivo e violento, que apenas a fé cristã é que poderia ajudar a humanidade a dominar o caos e os impulsos. Essa ideia é largamente explorada em seu outro romance "Irmãos Karamazov"(do qual já fiz uma resenha) através do personagem de Starietz Zósima que acreditava que apenas domando os impulsos e o egoísmo é que poderíamos amar verdadeiramente as pessoas "o jejum, a oração e a devoção são os únicos caminhos para a verdadeira liberdade, o domo e o flagelo da vontade egoísta é o que transforma o ser humano em um ser dotado de amor e compaixão". As ideias utópicas que Dostoievski tanto criticava terminaram se tornando regra quando houve o apogeu dos ideais comunistas e do liberalismo social democrata, que deu origem a várias atrocidades cometidas durante o século 20. A ideia de criar uma sociedade perfeita sem a figura de Deus resultou em dezenas de massacres, pobreza, guerras, mortes, niilismo, ateísmo, imoralidade e genuína deturpação do gênero humano ao ponto de que quase todas as abominações que vemos hoje em dia é fruto direto da falta de Deus e desse pensamento inconsequente e niilista, a ascensão do materialismo trouxe consigo diversos problemas como o aumento descontrolado de suicídio, depressão, ansiedade, hedonismo e etc. Chegou a um certo ponto em que algumas pessoas não são capazes de entender o problema que há em se degradar em vícios.

Passando para o personagem, O homem do subsolo é um anti-herói, funcionário público que vive de sua aposentadoria em seu subsolo, amargurado, triste e solitário sem nenhum amigo ou esposa, odiando a si mesmo em um lugar apertado com alguns ratos e insetos de companhia, tomado por um ar claustrofóbico onde passa anos de sua vida ouvindo as pessoas conversarem, escrevendo em seu diário. "Sou um homem doente, sou rancoroso.. sou um homem pouco atraente. Acho que meu fígado está doente... Não, me recuso a consultar um médico por despeito... Meu fígado está bem ruim... Bom, deixe piorar" somos introduzidos a um personagem triste e emocionalmente quebrado onde o autor irá explorar sua mente através de um detalhado monólogo interno do personagem. Ele vive de escrever para um público que não existe, se auto despreza constantemente, tal é seu grau de alienação que mente para si próprio e para os seus supostos "leitores" dizendo as vezes que é incapaz de se definir, tendo que inventar algumas características, como de que ele é "rancoroso, mal, egoísta" como dito pelo mesmo:

“Na realidade, eu nunca poderia me tornar rancoroso. Eu estava consciente a cada momento em mim de muitos, muitos elementos absolutamente opostos a isso... eu sabia que eles estavam fervilhando em mim toda a minha vida e desejando alguma saída de mim, mas eu não os deixaria... de propósito não os deixaria vir Fora. Atormentaram-me até me envergonhar: levaram-me a convulsões e – enfim, adoeceram-me, como me adoeceram!”

entre algumas aspas, poderíamos dizer que o objetivo do homem do subsolo é conseguir definir ou moldar o seu caráter sendo ele uma mistura de emoções caóticas e conflitantes, uma genuína busca por si mesmo, ele não sabe quem é e sabe que o seu estado normal é não saber quem é, não atoa ele carece de nome no livro. Para fugir da sua realidade miserável, o homem do subsolo busca refugiar-se em livros e em histórias fantasiosas, uma espécie de escapismo que ele usa para fugir de seus problemas. Até este ponto encontramos alguém emocionalmente quebrado e com sérios problemas psicológicos, alguém afundado em um abismo mental, incapaz de se auto reconhecer, isolado das pessoas que ele considera inferiores a ele, em outras palavras ele é um hikikomori, que em japonês se refere a alguém com problemas de socialização e que passam boa parte do seu tempo em casa, longe do mundo e das pessoas, distantes e inertes em seus próprios pensamentos. Esse tipo de pessoa sabe de sua condição, coisa que a envergonha profundamente e para esquecer desses problemas eles buscam refúgios em coisas como jogos, livros de fantasia, filmes ou animes, as vezes até em coisas mais baixas como pornografia, porque dá ao indivíduo um certo alívio nessa montanha de sentimentos ruins e melancólicos. “Todo homem tem reminiscências que não contaria a todos, mas apenas a seus amigos. Ele tem outros assuntos em mente que não revelaria nem aos amigos, mas apenas a si mesmo, e isso em segredo. Mas há outras coisas que um homem tem medo de dizer até para si mesmo, e todo homem decente tem muitas dessas coisas guardadas em sua mente. Quanto mais decente ele for, maior será o número de tais coisas em sua mente.”

Nessa parte o homem do subsolo se refere aos nossos demônios internos, nosso medos e aflições, coisa da qual todos temos e sempre teremos, medo da morte, medo da rejeição, da solidão e do desprezo ou da humilhação, no caso do protagonista ele foi dominado pelos seus demônios internos. Sua tragédia consiste em que ele deixou o convívio social, se isolou do mundo por um medo obscuro de ser rejeitado ou de ser mau visto, estando sempre racionalizando cada passo entrando em um abismo de pensamentos, que Dostoievski nomeia de "hiperconsciência" se trata de um estado de espírito onde o indivíduo não consegue conceber nada além de seus pensamentos, estando quase que inteiramente absorto em suas ideias por várias horas do dia, é uma pessoa que pensa demais em coisas que não deveria pensar. O protagonista é uma vítima da hiperconsciência e está sempre antecipando coisas em sua cabeça, prevendo reações e temendo que tudo dê errado, ele pensa tanto que não consegue entender ninguém nem ele mesmo, sendo esmagado pelas suas inseguranças e medos internos.

Para ignorar o que lhe acontece, o homem do subsolo cria para si mecanismos de defesa e autopreservação, está sempre arrumando desculpas toscas para si mesmo, justificando suas tolices através de mentiras que ele conta para si mesmo, que "não fiz tal coisa porque Deus me impediu" ou "só não vou lá porque não vai me trazer nenhum benefício". Dostoievski nos dá a analogia do muro, quando enfrentamos uma dificuldade que é impossível de ser solucionada, ou seja, um muro em nossa frente, somos incapazes de derrubar o muro com a força própria, uma vez que ele não consegue derrubar o muro então ele passa a pensar e pensar muito, retornando ao tema da hiperconsciência “É claro que não posso romper a parede batendo minha cabeça contra ela se realmente não tenho forças para derrubá-la, mas não vou me conformar com ela simplesmente porque é uma parede de pedra e não tenho força . Como se tal parede fosse realmente um consolo…”. Em poucas palavras, o homem do subsolo está preso em seus próprios pensamentos infinitos, diante do muro que ele não vai derrubar.

“Eu não sabia como me tornar nada; nem rancoroso nem bondoso, nem patife nem homem honesto, nem herói nem inseto. Agora, estou vivendo minha vida no meu canto, zombando de mim mesmo com o consolo rancoroso e inútil de que um homem inteligente não pode se tornar nada seriamente, e é apenas o tolo que se torna qualquer coisa.”

Mais uma vez o livro ressalta a busca do personagem pela identidade própria, o homem do subsolo encontra consolo porque é mais esperto que todos ao seu redor porém, socialmente estão todos bem acima dele. A sua vaidade e narcisismo o leva a menosprezar todos ao seu redor, mas ele não consegue viver em paz sem que saibam que ele é superior e acaba caindo em autodesprezo quando percebe que todos o tratam com indiferença. Apesar de ninguém odiá-lo realmente, ele cria em sua cabeça a noção de que todos detestam e menosprezam ele, o apelido que ele dá a si mesmo de "rato" “O rato sem sorte consegue criar em torno de si tantas outras maldades na forma de dúvidas, emoções e desprezo que lhe são lançados pelos homens de ação diretos… acenar com a pata e, com um sorriso de desprezo assumido em que nem ela mesma acredita, rasteja vergonhosamente em sua toca de rato. Ali, em sua repugnante, fedorenta, casa subterrânea, nosso camundongo insultado, esmagado e ridicularizado prontamente se absorve em despeito frio, maligno e, acima de tudo, eterno. Por quarenta anos juntos, ele se lembrará de sua lesão até os menores e mais ignominiosos detalhes, e cada vez acrescentará, por si mesmo, detalhes ainda mais ignominiosos, provocando e atormentando-se maldosamente com sua própria imaginação.”

O homem do subsolo é uma pessoa morta em vida, que não conseguiu ascender nem socialmente nem financeiramente devido o seu isolamento e temperamento arrogante e narcisista que só consegue encontrar prazer no seu atual estado de desesperança e desespero. E ele entende que as pessoas não entenderão o que ele sente e sempre o tratarão com indiferença “O que quer que tenha acontecido, aconteceu de acordo com as leis normais e fundamentais da consciência intensificada e por uma espécie de inércia que é uma consequência direta dessas leis, e... tentar."

Além disso o homem do subterrâneo é um sádico que consegue encontrar prazer no sofrimento, ele sofre e sente dor para que os outros ao redor dele sofram também, uma espécie de condição onde o indivíduo com ódio extremo termina causando dor a si mesmo em busca de chamar atenção, confessando que ele é um masoquista “Senti uma espécie de deleite secreto, anormal, desprezível, quando, ao voltar para casa numa das noites mais sujas de Petersburgo, percebia intensamente que, novamente, eu havia sido culpado de alguma ação covarde naquele dia… e interiormente, secretamente, eu Eu ficava me importunando, me preocupando, me acusando, até que finalmente a amargura que eu sentia se transformou em uma espécie de doçura vergonhosa e condenável e, finalmente, em verdadeiro prazer positivo! Sim, em deleite! … A sensação de prazer estava lá apenas porque eu estava tão intensamente consciente da minha própria degradação .” É uma condição onde o sujeito passa a amar a sua própria degradação, ao ponto de sentir prazer nela, não há como racionalizar isso, é apenas o reflexo e uma demonstração do quão quebrado está o nosso protagonista.

O homem do subsolo ao perceber que está perdido em um determinismo gerado pelo egoísmo racional, ele termina praticando uma espécie de auto sabotagem onde ele acredita que não há nada que ele possa fazer para mudar ou melhorar. Enquanto sua mente lhe proporciona a racionalidade e o livre arbítrio, ela também lhe joga em um abismo, esse abismo é o determinismo, ele tem ciência de que não irá melhorar nem mudar e é então que sua mente se torna ao mesmo tempo, a sua amiga e a sua principal inimiga. O homem do subsolo acredita que o homem nunca se acostumará com o determinismo e que sempre estará disposto a sacrificar os seus comodismos pela livre escolha. O protagonista é contra o racionalismo, mas não contra a racionalidade, ele acredita que o racionalismo nos guiará para um sistema monótono onde perderíamos o nosso livre arbítrio, e que no fundo isso jamais aconteceria, pois as pessoas não se conformariam com o mesmo a vida inteira. É aqui que a visão do autor do livro fica mais clara já que Dostoievski é contra essa ideia de que a racionalidade e o progresso trazem mais felicidade aos seres humanos, no fim ele estava certo já que nunca em toda a história tivemos índices tão altos de suicídios e depressão. Durante a prisão na Sibéria, Dostoyevsky observou que muitos dos seus colegas enlouqueciam de propósito. Este ponto implica que a filosofia egoísta racional teria que levar em consideração a ação humana e sua imprevisibilidade, refutando toda a ideia por trás.

“O homem gosta de fazer estradas e criar, isso é um fato indiscutível. Mas por que ele tem um amor tão apaixonado pela destruição e pelo caos também? … Não será que ele ama o caos e a destruição… porque tem medo instintivo de atingir seu objetivo e completar o edifício que está construindo? Quem sabe, talvez ele só ame aquele edifício de longe, e não o ama de perto; talvez ele apenas ame construir e não queira morar nela... De fato, o homem é uma criatura cômica; parece haver uma espécie de brincadeira em tudo isso…”
Aqui o autor explora a nossa relação com os objetivos e metas, sobre temer concluir algo e esse algo não satisfazer por completo, gerando um gosto amargo, somos por natureza ingratos e nunca estaremos totalmente conformados com a realidade. O autor do livro também diz que jamais o homem renunciará ao sofrimento e que somos amantes do sofrimento.

Ao final de contas, quão bom é esse livro? Bom, apesar de contar com apenas um personagem, ignorando os secundários que não possuem caracterização e existem apenas para nos demonstrar o quão quebrado o nosso protagonista está. O personagem principal é fantástico a nível de escrita e é um dos personagens mais complexos já escritos, possui vários questionamentos, inseguranças, medos, ideias, dilemas e uma genuína exploração em sua psique, Dostoyevsky tem um dom para escrever personagens psicológicos, tenho pouquíssimo do que criticar e tirando o fato de que o protagonista não possui um contraponto ou um bom final, ainda considero esse um dos melhores e se não o melhor, estudo de personagem jamais escrito e finalizo com:


9/10

CRIME E CASTIGO(1866):Sua obra mais popular e uma das mais marcantes, sendo o primeiro dos 5 romances da maturidade, que foi quando Dostoiévski saiu da prisão na Sibéria e voltou a escrever. Seu primeiro romance fora da prisão conta a história do estudante de direito Rodion Romanôvich Raskolnikov que vivendo na miséria é obrigado a abandonar o curso e seguir outra profissão, desesperado e com delírios de grandeza se achando o sucessor de Napoleão termina matando uma velha usurária para tomar-lhe o dinheiro para prosseguir na faculdade de direito. O primeiro aspecto que podemos mencionar dessa obra é em relação ao sentimento de culpa e a ideologia de Raskolnikov.

Sendo Raskolnikov um rapaz inteligente e bonito, ele não aceita sua condição e movido pela ideia de que os grandes homens podem superar o sistema moral vigente e criar o seu próprio. Termina ele caindo em uma espiral de culpa por ter se permitido cometer tal atrocidade, revelando que ele ainda estava inclinado na moral cristão e por consequência estava arrependido. Sua falta de esperteza termina entregando aos policiais que ele era o criminoso, no fim ele é pego e enviado à prisão, lá ele se arrepende do seu crime com uma cena final abraçando sua amada(Sonya) que é simbolicamente a representação da virgem Maria redimindo os pecados.

O livro é um dos mais interessantes do autor, ao girar em torno de um crime e de investigação policial ala Sherlock Holmes só que desde a perspectiva do criminoso, Raskolnikov é um personagem bastante psicológico(como todos dele) e está bem justificado como protagonista já que tinha necessidade de fazer o que fez, óbvio que o livro não justifica de forma moral o que ele fez, apenas de forma racional pois seria ridículo dizer que alguém merece morrer apenas porque é usurário, uma motivação parecida com a de Kira, de que gente merda merece morrer, a diferença é que o Kira queria fazer para melhorar o mundo, Raskolnikov queria por um desejo egoísta, o que não justifica de todas as formas já que dá razão ao pensamento de que "posso prejudicar os que sofrem menos que eu" raiz de todos os erros humanos, em poucas palavras, a inveja.

É interessante alguns criticismos sobre o livro, de que dá mensagens ruins ao redimir um criminoso dizendo que todos os criminosos podem se arrepender e carregam a culpa dentro de si ou que mostra personagens que são inclusive mais pobres que Raskolnikov e não cometeram nenhum homicídio. O problema com esses criticismos é evidente, primeiro de tudo, o livro não está dizendo que todos os bandidos possuem redenção e que carregam consigo a culpa do que fizeram, a própria história mostra no personagem de Svidrigailov, um sujeito tal como Raskolnikov, que matou, estuprou e cometeu várias atrocidades e não se arrepende de absolutamente nada, seu estado de degradação não tem mais solução e o personagem é um alerta para Raskolnikov. Sobre o segundo criticismo, não é porque existem pessoas miseráveis que estas serão assassinas como Raskolnikov, se fosse o caso estaríamos em maus lençóis.

O livro é muito bom mas seu final deixa a desejar e possui um Time Skip que ignora a redenção de Raskolnikov na prisão, todavia é um livro nota;

8/10

ANÁLISE PROFUNDA:


Crime e Castigo, de Fyodor Dostoiévski, publicado em meados de 1866 e considerado um dos livros mais importantes da literatura mundial, por que exatamente? Se conhecem a obra de Dostoievski provavelmente devem saber que no geral a temática de suas histórias são bastante similares, em especial os 5 livros da maturidade(os demônios, irmãos Karamazov, o idiota, crime castigo e o adolescente) sempre envolvendo coisas como assassinato ou problemas familiares, coisas que em grande parte eram reflexo das condições precárias em que se encontrava a Rússia, situações que ele também presenciou e viveu em sua vida pessoal. Sua obra foi imortalizada por alguns fatores, dentre eles; por ser um autor bastante psicológico, que é conhecido por escrever personagens ricos em psicologia como visto em "Memórias do Subsolo" e em "Sonho do homem ridículo" com algumas exceções, quase todos os protagonistas de Dostoievski possuem uma profunda psicologia, reflexo de seu talento e profunda sensibilidade, apesar de que não é bom com finais, ele certamente sabe como escrever um personagem interessante com o dilemas filosóficos e éticos. E esse é o caso de Rodion Românovich Raskolnikov, protagonista de Crime e Castigo, do qual é precisamente um dos personagens mais complexos escritos por Dostoievski, ao lado do homem do subsolo, possui uma extensa exploração temática que envolve temas como a moralidade, o sofrimento, a moral, o niilismo e etc.

Raskolnikov é um estudante de Direito, que ao ver sua família indo a falência, tendo problemas sérios de ordem financeira, não consegue continuar sua faculdade e acaba desistindo, entrando em um estado de tristeza e melancolia onde, após escutar uma conversa, surge-lhe a ideia de matar uma velha usurária e ranzinza, chamada Ivanovna. Raskolnikov tomado por um senso nietzschiano, planeja mata-la e roubar-lhe o dinheiro para ajudar sua família. Ao concretizar seu plano, ele entra em um estado de paranoia, medo e culpa que como veremos, é o que termina entregando sua culpabilidade no caso. É interessante salientar que Raskolnikov é fortemente influenciado por uma filosofia utilitária e niilista que em poucas palavras, seria o übermensch de Nietzsche, a ideia de que os grandes homens podem destruir a moral vigente e impor a própria moral através da força, é algo que cruza diretamente com a filosofia de Nietzsche, é importante lembrar também que Dostoievski escreveu seu livro antes dos livros de Nietzsche sobre o assunto. A figura histórica que guia Raskolnikov e sua filosofia é Napoleão Bonaparte, que impôs em boa parte da Europa, a sua filosofia e os ideais da revolução francesa. Nosso protagonista é essencialmente um ateu e materialista que partilha dessas ideias de que foi injustiçado e que tem que ser recompensado pelos danos que sofreu durante a vida.

Os personagens ao redor do drama de Raskolnikov são; a sua mãe(Pulcheria), Dunya, sua irmã e sua versão feminina só que mais empática e não partilha das ideias de seu irmão, temos Marmeladov que é um amigo de Raskolnikov, bêbado e alcóolatra, consciente de que sua família está passando por dificuldades financeiras apenas ignora esse problema e passa a vida como ébrio, hedonista e boêmio. Temos também Sonya, filha de Marmeladov, precisa se prostituir para manter a família, tendo uma forte fé no cristianismo, temos Razumikhin, outro amigo de Raskolnikov. O grande dilema do personagem gira em torno de que se suas ações foram benéficas ou não, já que ele acreditava que estava fazendo um bem ao mundo livrando-se de alguém ruim e se beneficiando disso, vale ressaltar que Ivanovna, a mulher que Raskolnikov matou, era uma avarenta que batia na irmã, irmã essa que possuía deficiência mental. Por aí entramos em uma discussão se "pessoas ruins devem ser mortas" ou "se devo me apropriar das coisas alheias, se essas precisamente não estão sendo usadas de forma correta?" esse segundo questionamento é mais importante filosoficamente, pois é a base do pensamento marxista, se analisarmos que o comunismo é um sistema de ideias baseado na redistribuição de bens afim de alcançar a igualdade ou uma pretensa "justiça", é movido por essas ideias que Raskolnikov comete o crime. De modo que, seria justo assassinar pessoas se isso me beneficia materialmente?

No entanto, mesmo movido por ideias ateias e materialistas, Raskolnikov termina assolado pela culpa que pesa sobre sua consciência, admitindo não ser o que acreditava ser, ou seja, ele entende que não era nenhum "Napoleão" e que sua mente ainda estava presa aos fundamentos cristãos e não podia ignora-los, ao fim das contas a mulher a quem ele matou era "um ser humano" e que segundo ele mesmo "não matei Ivanovna, matei a mim mesmo naquele momento" trazendo aquela velha questão a respeito da culpa. Dostoievski acreditava que a culpa e o estresse, eram mais pesados que a condenação jurídica. Cometendo uma sucessão de erros, Raskolnikov consegue chamar para si a atenção dos investigadores, escondendo as coisas que roubou, tem febre e adoece constantemente devido a culpa que sentia. Passando por acontecimentos não tão importantes, Raskolnikov acaba caindo na mira de Porfiry Petrovich, que através de alguns jogos mentais com Raskolnikov, esse termina descobrindo que ele era o responsável pelo crime. Essa parte em específico do livro, é uma das mais divertidas e me lembrou bastante de Death Note, Porfiry é como um L, no entanto não possuía provas para incriminar Raskolnikov, deduziu tudo baseado nos pensamentos e nas atitudes do protagonista que pelo nervosismo e falta de atenção cai no jogo do investigador. Mais tarde após confessar seus crimes e de ter sido condenado 8 anos de prisão na Sibéria, Raskolnikov passa a ter delírios severos onde acredita ter profetizado uma doença que devastaria o seu país e que convertia as pessoas em loucas que acreditavam apenas em si mesmas, basicamente previu o Twitt3r.

Fora brincadeiras, temos esse epílogo que seria basicamente um alerta de Dostoiévski para uma futura revolução, revolução essa pautada no ateísmo, materialismo e no desprezo ao passado, sabemos que Dostoiévski não era nenhum profeta, apenas um bom observador que sabia a mentalidade e os rumos que o povo russo estava tomando até então. Com Raskolnikov se converte ao final e se declara para Sonya, tendo de forma implícita, um final de redenção e uma mensagem positiva no final. Podemos dizer que o que se passa com Raskolnikov é parecido com que disse o psiquiatra Robert Langs, que define as diferenças entre o discurso e a conduta com o consciente da pessoa, recordam esses jovens edgy de internet que falam abertamente em matar e cometer crimes mas são todos incapazes de colocar em prática? Bién, em seu íntimo, Raskolnikov sabia que o que havia feito era errado e que havia violado os limites da natureza, fazendo-o soltar pistas propositalmente para a polícia. Meu maior problema com esses ateus radicais como Dawkins que pregam ideias de anulação do trascendente e dos valores superiores é inteiramente representado no dilema de Raskolnikov "se não há Deus então eu posso fazer o que eu quiser e nada me impede" é exatamente esse tipo de mentalidade que levou tantas atrocidades no curso da história.

Assassinato é errado? É maligno? Quase todos responderiam que sim, mas agora farei uma pergunta mais difícil: como você sabe? Sei que você acha que o assassinato é errado, mas como você sabe disso? Se eu te perguntar como você sabe que a terra é redonda, você me mostraria fotos, tiradas do espaço, ou me ofereceria dados mensuráveis; mas que tipos de fotos ou dados você pode dar que provem que assassinato, estrupo ou roubo são errados? A verdade é que não dá para fazer isso. Embora existam fatos científicos, não existem fatos morais sem Deus. Em uma sociedade secular, apenas opiniões morais podem existir. Podem ser opiniões pessoais ou da sociedade, mas não passam disto. Todo filósofo ateu que eu li reconheceu que, sem Deus, não há moralidade objetiva. Os valores judaico-cristãos são baseados na existência de um Deus moral. Ou seja: assassinato só é errado se houver um Deus que diga isso; caso contrário, toda moralidade não passa de uma opinião. Toda a civilização ocidental é baseada neste princípio.

"o mal no mundo é a ausência de Deus" Santo Agostinho

Agora falando dos aspectos técnicos, o quão bom é esse livro? Comparado com Memórias do Subsolo ou Irmãos Karamazov é inferior em qualidade, mas não quer dizer que seja medíocre, muito pelo contrário, a primeira parte do livro possui uma das mais complexas explorações psicológicas que já vi, rivalizando com Evangelion em nível de detalhe e dilemas, é direto ao ponto e agradável de ler, possui esse tom germanista misturado com realismo russo que dá uma combinação interessante. Os personagens secundários não são tão profundos como Raskolnikov, apesar de que são interessantes por sua lore interna, personagens como Porfiry, Sonya, Svidrigailov e Dunya são interessantes em conceito, no entanto quem rouba a cena é de fato Raskolnikov. O protagonista, como eu já disse, é sumamente complexo e mais que isso, está bem justificado e enfrenta sim um carma. Li alguns criticismos toscos a respeito do livro dizendo que Raskolnikov não teve o seu carma e que a mensagem final de redenção é vazia e pretenciosa e sendo sincero, só quem não leu o livro poderia dizer algo assim, Raskolnikov é sim punido por seus crimes, não só fisicamente como psicologicamente sai devidamente danificado. O ponto central é em questão da redenção do protagonista, alguns apontam como forçado e apressado, nesse ponto tenho que dar crédito e acredito que poderia sim ter havido um aprofundamento melhor na redenção de Raskolnikov.

Veja também que alguns acusam o autor de romantizar o crime e de promover mensagens errôneas como "todos tem uma segunda chance e que logo posso fazer besteira e me arrepender depois" o que os ineptos provavelmente não devem saber já que não se aprofundaram(ou mesmo nem sabem o que é) na rica ética agostiniana, mas faz parte da doutrina cristã a parte do perdão, não quer dizer que o que o sujeito fez carece de consequências, pelo contrário, encarar as consequências do erro é parte vital do processo de redenção e parte inerente do amadurecimento, coisa pela qual passa Raskolnikov, o fato dele se arrepender não quer dizer que não enfrentou as consequências ou que tudo que ele fez foi anulado, se não entendeu isso então leia o livro de novo. Plus. Leiam Irmãos Karamazov e Os demônios, é aí que o dilema da não existência de Deus ganha tons mais irreversíveis.



O JOGADOR(1867):Depois da pedrada que foi Subsolo e Crime Castigo seria bom algo mais leve e menos pesado no? O jogador foi escrito após Crime e Castigo e possui toques autobiográficos ao representar uma parte da vida de Dostoiévski, este por sua vez era viciado em jogos de azar e tinha sérios problemas quanto a isso, se endividando e tendo vários problemas com as editoras que exigiam a entrega de suas histórias em um tempo ridiculamente curto, coisa que certamente afetou essa entrega no? Na verdade não tanto, é um livro curto contando com mais ou menos 150 páginas. A história gira em torno de Aleksei Ivanovich, um viciado em jogos de azar que passa os dias em um cassino na França, Aleksei está apaixonado por uma meretriz que lhe trata como capacho. O plot da história gira em torno de como Aleksei vai gradualmente perdendo a noção do tempo e da vida, reduzindo sua vida aos jogos.

Dostoiévski representou através do protagonista os problemas relacionados aos vícios e ao hedonismo, mostrando como o vício isola a pessoa de si mesma, esquecendo de si e se perdendo em uma espiral de prazer desordenado e usura. Ele logrou representar com perfeição antes de qualquer filme de hollywood, como funciona os cassinos e a malandragens por trás. Apesar de estar bem ambientado e contar com personagens interessantes, a história é um tanto curta e os temas são explorados apenas superficialmente, não é um estudo profundo sobre a psique de um viciado ou uma tragédia bombástica como Casino do Martin Scorsese, é mais uma história sobre cassinos com uma moral simples por trás.

Consequentemente não é uma obra complexa, porém é genuinamente divertida e agradável de ler, não tem esses entraves psicológicos e diálogos profundos com implicações filosóficas, e aparentemente inspirou o filme Casino, do qual eu recomendo bastante;

7/10

NOITES BRANCAS:

Somente agora que vi que não havia feito uma menção a Noites Brancas, um baita desperdício, Noites Brancas é um dos livros mais bonitos de Dostoyevsky sendo um dos poucos sobre roamance e relacionamento, óbvio que não um romance genérico com final feliz, é mais uma subversão do que seria um romance, possui uma mensagem amarga sobre não criar muitas expectativas tão altas em relação aos relacionamentos. É uma história sobre um amor que não deu certo, a construção é cheia de psicologia e idealização até que o autor destrói completamente a fórmula com um final triste, mais triste é a crudeza do realismo que podemos encontrar em diversos outros autores. Alo nesse nível só encontrei na obra de Gabriel García em "Amor nos Tempos do Cólera".

Recordações da Casa dos Mortos:

Um dos livros mais impactantes da história mundial, é um relato de Fyodor em sua fase na prisão, relatando o dia a dia com os outros presidiários e sobre como sobreviveu a um ambiente tão hostil e esquecido. É um livro que nos dá uma visão de humanidade sobre aqueles que ao que parece perderam sua humanidade. De forma alguma o autor coloca os presos como pessoas inocentes ou vítimas de quaisquer coisa, é mais uma forma de enxergar a vida desde um prisma cristão de perdão mostrando que mesmos pessoas tão terríveis como assassinos e ladrões ainda possuem um lado humano. Também é um relato incrível sobre como a mente humana pode se degenerar após crimes tão horrendos. Dostoyevsky relata um caso de um sujeito que matou o próprio pai e depois caiu em uma onda de orgias e alcolismo. Também nos relata outro caso sobre um homem que havia se arrependido pelo seu crime implorando a Deus que não lhe abandonasse nem ele nems seus fihos. Relatos como esse são únicos pois nos dão uma visão totalmente diferente da que costumeiramente tinhamos sobre criminosos. É mais uma amostra sobre como o ser humano é complexo e não um número insignificante no universo como dizem os cientificistas.

8/10

O IDIOTA(1869): voltando aos romances densos e psicológicos, temos O Idiota que é mais uma obra com tons autobiográficos, dessa vez o personagem deve ser um criminoso? Um viciado? um Psicótico? No, o protagonista da vez é um rapaz bom e humilde que ajuda a todos e tem um grande coração, pode soar meh e confesso que pensei em dropar o livro, dei uma chance e confesso que foi uma experiência interessante. A história gira em torno de Liev Nikolaevich Míshkin, um parente distante de uma generala que através dela ele procura se estabelecer para conseguir um emprego. No meio do caminho o nosso protagonista termina se envolvendo com o pessoal da família de Lizaveta Prokofievna, que são um bando de cretinos de má índole. Míshkin também acaba se envolvendo com Nastássia Filipovna que estava noiva de Rogojin, este por sua vez cria um ranço de rivalidade com Míshkin e o final bién, é Dostoiévski então presuma que não terminará bem.

Com Míshkin, Dostoiévski quis criar um personagem genuinamente bom de coração, de maneira a não torna-lo inconveniente ou chato, um personagem que fosse agradável ao mesmo tempo que é bonzinho, algumas resenhas que li sobre, afirmam que Míshkin seria simbolicamente a percepção do ideal cristão promovido por Dostoiévski. Sendo Míshkin um personagem de índole mágica, seu caráter é puramente bom. Sobre o nome "O idiota" apesar de soar sacrílego chamar um personagem que representa o cristianismo de idiota, há um motivo, o motivo é que todos ao redor de Míshkin são patifes, materialistas, mesquinhos e de natureza ruim, por consequência o caráter deles é incompatível com o de Míshkin, fazendo com que eles o vejam como um tonto. Apesar disso Míshkin tenta ver o lado bom de todos ao seu redor, por mais canalha ou mal intencionado que os outros sejam.

Seu personagem possui nuances psicológicas que beiram o existencialismo com indagações interessantes acerca da natureza humana, sobre se vale a pena ser bom em um ambiente tão ruim e medíocre, me referi aos personagens secundários como cretinos unidimensionais mas a verdade é que todos(grande parte pelo menos) possuem um certo grau de exploração psicológica, com Rogojin sendo o oposto de Míshkin, ateu, violento e com tendências assassinas ele tenta por vezes rebaixar Míshkin não por maldade mas por inveja pelo mesmo ter despertado o interesse de Nastássia Filipovna onde pouco a pouco vai demonstrando facetas mais humanas. Nastássia por sua vez é a personagem mais complexa da obra, sua figura representa o reflexo de uma vida carente de valores e de amor sincero, por ser de família nobre e dotada de beleza, termina sendo alvo de vários homens interesseiros que se aproximam ou pela sua beleza ou pela sua riqueza, coisa que a torna bastante cínica em relação as pessoas, sendo fria e em momentos até sádica, com ares de Asuka. Sinceramente seria mais interessante se fosse ela a protagonista.

Sobre a obra, os personagens estão bem explorados apesar de que em geral permanecem estáticos em relação as suas personalidades, Míshkin tem um final um tanto trágico mostrando que a bondade também possui consequências, não que o livro esteja dizendo que a bondade é na realidade algo ruim, muito pelo contrário, nos mostra como a falta de amor e o materialismo são danosos ao ser humano, com Míshkin, Dostoiévski quis mostrar a beleza do ser humano, de como devemos inspirar bons valores nas pessoas. Todavia o livro é desnecessariamente longo e o diálogo é demasiado arrastado, detalhando em coisas que não são necessárias e grande parte do romance é parado de modo que algumas partes são bem entediantes;

9/10

ANÁLISE PROFUNDA:

O Idiota de Fyodor Dostoiévski faz parte dos seus romances pós Sibéria, para contextualizar rapidamente, ele foi preso por participar de grupos anti-czar e quase foi condenado à morte, quando saiu da prisão escreveu Crime e Castigo, Os Demônios, Irmãos Karamazov e O idiota, obras essas que criticam duramente as visões seculares e niilistas que haviam se impregnado na Rússia e que posteriormente causaria revoluções e divisões onde se cometeram várias atrocidades. A visão de Dostoiévski sobre o mundo é baseada no cristianismo e nos mandamentos bíblicos mesclados com um certo apelo ao social, algo parecido com a doutrina social da igreja católica expressa na carta da Rerum Novarum, apesar do mesmo detestar a igreja católica, coisa que ele expressa nessa mesma obra. Sobre a história, é um livro que se passa em São Petersburgo e narra a história do Príncipe Liev Nikolaevich Míshkin, que decide visitar sua família na cidade para conseguir um emprego, com a intenção também de conhecer sua família mais afastada. Em Petersburgo ele conhece seus parentes sendo eles; Lizavieta Prokofievna Epantchin e suas filhas Adelaída, Aglaia e Aleksandra, fora a principal Nastássia Filipovna.

O príncipe Míshkin tenta conseguir um emprego na casa dos Epantchin com fim de se estabelecer, no entanto termina se envolvendo em um relacionamento com Nastássia Filipovna devido ao caráter mágico dele. No percurso Míshkin também conhece Parfion Rogojin, sendo este seu antagonista, opositor em toda a regra sendo um mega vilão(nota:tipo de vilão que é o oposto absoluto do protagonista ex:venom). Míshkin ao princípio é menosprezado e tratado como um estúpido por todos ao seu redor pela sua índole de ser bom para com todos, isso dura até descobrirem que ele possui uma fortuna que um falecido tio seu lhe deixou, todos então passam a trata-lo bem e Nastássia Filipovna propõe casar-se com ele rejeitando Rogojin que era seu pretendente. Rogojin é humilhado por Nastássia e desenvolve um ódio que culmina no ato final do livro, do qual não darei spoilers. É interessante lembrar que esse livro foi escrito em um período bastante negro na vida de Dostoiévski, estava fragilizado emocionalmente e fisicamente, seus ataques de epilepsia se tornaram frequentes, sua filha mais nova havia morrido prematuramente e estava endividado devido as jogatinas, fora que estava sob forte pressão dos editores para entregar o romance. De modo similar ao autor de Neon Gênesis Evangelion que sofria de depressão e estava endividado e de forma inspiracional transformaram seus problemas em arte e o resultado foi algo sumamente profundo e psicológico, é o caso de vários autores e escritores ao redor do mundo.

Acredito eu que os problemas quando se tornam muito grandes, ficam claros e impossíveis de ignorar, fazendo o sujeito cair em uma profunda reflexão e solidão que culmina nos questionamentos mais profundos existentes, ele passa a refletir sobre sua vida e sobre questões mais elevadas como o futuro da sociedade ou a imortalidade de nossas almas. Talvez seja o caso de Dostoiévski já que muitos dos seus personagens são inspirados nele próprio, personagens como Smerdiakov ou Raskolnikov, o que nos leva ao personagem de Míshkin, que diferente de outros personagens dele, que em sua maioria eram canalhas, depressivos, psicóticos ou criminosos, Míshkin por outro lado é um ser manso e humilde, levando consigo a representação máxima do cristianismo, alguém que não julga, que ajuda e que é compreensível com todos, tratando de ver o melhor em cada pessoa. Míshkin é em poucas palavras "O príncipe de Cristo" um personagem bom de caráter. O primeiro problema que pensei ter em relação a esse personagem quando li sobre a premissa é "será um personagem irritante e chato que cuspirá lição de moral a cada minuto" por sorte não é o caso e Dostoiévski usou de engenhosidade para criar um personagem simpático, bom e ao mesmo tempo trágico.

Dostoiévski quis criar um personagem genuinamente bom, um contraste com a mentalidade niilista de que não existe moral, todavia seria um livro chatíssimo se fosse apenas sobre um personagem bom o tempo inteiro, fazendo vários amigos e vivendo de forma feliz sem problemas certo? É óbvio que se tratando de Dostoiévski não seria apenas isso e evidentemente ele usaria essa premissa para explorar temas existenciais e teológicos de grande relevância para os que tem dúvidas sobre a fé. Míshkin como referi antes, é um personagem trágico, trágico porque o ambiente ao seu redor está tomado por gente mesquinha, niilista e materialista da pior espécie, com os quais o autor busca fazer críticas em relação a sociedade russa e sobre como estavam perdidos em frivolidades "amantes de si mesmos" como o próprio autor diz. Em termos de caracterização Míshkin é um personagem bem redondo, não é o personagem mais complexo do autor mas é um dos mais interessantes sem dúvidas já que ao mesmo tempo que é bom, humilde e manso, também pode ser cínico, meio covarde, tímido e instável em raras ocasiões, este último é em consequência do ambiente radioativo em que ele se encontra, onde todos tentam lhe tirar vantagens e o tratam como imbecil.

O tratam como imbecil por sua natureza boa, já que quase todos são materialistas, todavia quando estão próximos dele, evidenciam o próprio caráter, a interpretação que tiro disso é que Míshkin representa a luz de Cristo, ele é a encarnação do ideal cristão que lança luz sobre as trevas e revela os demônios e as imperfeições humanas. Míshkin carece de sexualidade não por ser homossexual mas por ser casto e tendencioso a ver apenas o lado bom e inocente das pessoas, por mais que ele mesmo saiba que em geral está lidando com cretinos, coisa que ele está consciente e ainda sim procura meio que desesperadamente as boas características nas pessoas. Seu dilema é profundamente existencial já que ao mesmo tempo que tenta ser bom com todos, todos tentam tirar-lhe proveito, seu caráter atrai todo tipo de gente com más intenções porque sabem que ele não fará nada. É quando o autor nos coloca de forma meditativa o questionamento de "é possível ser bom com todos?" "perdoar os maus nos faz cúmplices?" "a pena de morte é cristã?" não há respostas dentro do livro, são reflexões que o próprio leitor pode tirar. A tragédia de Míshkin possui tons existenciais que merecem uma profunda reflexão, a primeira reflexão é sobre o que levou a família dos Epantchin a esse estado de decadência moral? De onde vem essa cobiça por bens materiais e idolatria do próprio ego?

É uma forma lírica do autor ressaltar a importância de Deus e de como essa mentalidade de "apenas eu e meus desejos importam" é ruim já que leva a uma alienação do mundo, a frieza no coração e a dissolução dos vínculos familiares que podem degenerar em coisas piores, essa questão é amplamente desenvolvida em "Irmãos Karamazov" por aqui temos um esboço de um tema importantíssimo. Saindo de Míshkin e falando finalmente dos outros personagens, temos Nastássia Filipovna que é talvez a personagem mais complexa do romance, se trata de uma burguesa de família "nobre" que desde cedo era culta e bem desenvolvida, sendo descrita como a encarnação da beleza, arrastava homens e despertava a admiração de todos por sua beleza e inteligência, sua beleza desperta o interesse de Rogojin e Míshkin que "disputam" seu "amor". A tragédia de seu personagem consiste em que ela desde cedo era adorada e despertava o interesse de vários homens, e era ciente de que todos que se aproximavam dela eram ou interesseiros ou apenas aventureiros seduzidos por sua peculiar beleza, ao conhecer Míshkin ela se deparou com um homem que genuinamente gostava dela não pela sua beleza ou dinheiro mas por quem ela era de fato, Míshkin a tratava bem e não julgava seus ataques de histeria nem sua personalidade problemática.

Devido a maturidade prematura e os mimos da nobreza, Nastássia Filipovna cresce em um ambiente vazio e carente de valores em plena ascensão do feminismo, tornando ela uma pessoa narcisista e com complexos de grandeza onde ela se vê como um ser superior que merece uma vida superior com alguém superior, de modo que sua personalidade é extremamente volátil e suas emoções e ações são difíceis de calcular de forma equacionar a causa e efeito, sendo ela intensa e bastante diferente de Míshkin que carece de sensualidade, coisa que não inspira Nastássia, terminando com o relacionamento entre os dois com a desculpa de que "não pode casar-se com um homem tão inocente e puro". Por outro lado temos Rogojin que é o extremo oposto de Míshkin, sensualista, mesquinho, niilista e com tendências assassinas, ele está totalmente apaixonado por Nastassia ao ponto de roubar para dar a ela brincos raros e até usar o dinheiro de seu pai para convencer os diretores de Nastássia a permitirem o noivado, ele se utiliza da personalidade gentil do príncipe para tirar vantagem e revela por vezes um instinto assassino que dura boa parte do livro até a consumação do ato.

O restante dos personagens são interessantes mas não possuem um grande impacto na história de modo que são relevantes a nível conceitual. Temos o patriarca Epantchin que é um coronel dono de pensões, um dos primeiros personagens que Míshkin conhece, temos Lizaveta Prokofievna e suas filhas que não possuem tanta relevância e que estão aí para ressaltar a falta de valores elevados na família, temos também o general Ivolguin, Ardaliónitch, Ivolguina e etc. São interessantes mas estão apenas para complementar os personagens principais. Finalizando com a resenha temos também os diálogos dos personagens sobre temas variados, Dostoiévski constantemente usa seus personagens para comentar assuntos e abordar temas importantes sobre a política, filosofia e estado das coisas, no caso dessa obra como em várias outras de sua autoria, fala-se acerca de como o niilismo está tomando conta da Rússia e de como os russos estavam exportando os "valores" europeus como se fosse a verdade absoluta e por consequência estariam traindo os valores russos, que o liberalismo nada mais era que a raiva contra a própria nação, indagações que considero corretas em vários níveis.

Nesse romance Dostoiévski também critica de forma incisiva a igreja católica dizendo que esta representa o ideal iluminista que por sua vez seria o próprio império do anticristo e que a igreja teria culpa em parte do niilismo que tomou conta da Europa no século 19, como católico essa crítica é bastante desagradável e até injusta por parte do autor, é verdade que a igreja católica atualmente é submissa aos governos ateus e que foi quase totalmente consumida pelos ideais do globalismo ao ponto de negar a própria tradição e sua grandiosidade histórica, ainda sim vejo como injusta a crítica de Dostoiévski já que desconsidera a árdua luta da igreja contra os ideais niilistas, expressos em vários documentos, é compreensível que ele tenha uma tendência forte à igreja ortodoxa, mas não acho justo esse tipo de criticismo pela própria história da igreja, porque se formos comparar as duas, a igreja ortodoxa deixou a Rússia ser tomada pelos bolcheviques terroristas enquanto que o Ocidente tentou retornar às raízes através da terceira posição, falhou e os estragos são sentidos até hoje. De resto concordo com a moral da obra de "não se deixar ser consumido pelo meio" é uma discussão válida e ao mesmo tempo perigosa já que é possível cair em argumentos russeaunianos de que o meio corrompe o indivíduo. Compactuo também com a ideia de que estamos caminhando para um niilismo destrutivo e um niilismo moral, o primeiro é representado nas barbáries cometidas pelos comunistas no século 20 e que está presente de forma escatológica no livro "Os Demônios" do mesmo autor aqui citado.

O segundo é representado pela carência religiosa e excessivo racionalismo que culminou nessa cultura atual de que a tecnologia e a ciência salvariam os seres humanos, como estamos vendo é todo o contrário, estamos mais imbecis que nunca, amantes de nossos egos, cada vez mais isolados das pessoas, com menos contato humano e vivendo sob a ameaça das ações maléficas de uma ciência que se vende como a salvação da raça humana ao mesmo tempo que produz armas biológicas, bombas atômicas, tecnologias extremamente questionáveis e escapismos cínicos que os desavisados imbecis se maravilham. Essa crítica é direcionada para todo mundo incluindo este que vos escreve, por vezes caí em ideias niilistas, ateias e em hedonismos baratos que me levaram a um estado de depressão e vazio existencial que culminou em ideias egoístas e cretinas, coisa que estou tentando mudar por hora através da oração. A conclusão de Dostoiévski sobre a religião cristã também considero certa em vários aspectos, quando ele diz que não há como racionalizar a religião e que apenas pela devoção e entrega da fé é que se pode superar o niilismo, é algo certo e a única forma existente de combater os senhores do mundo e os demônios que infestaram a Terra.

Tirando essas reflexões, o quão bom é esse livro? Bién, não é o melhor livro de Dostoiévski por várias razões, uma delas é por ser excessivamente longo, é um livro que conta com quase 700 páginas, onde pouca coisa ocorre realmente, é detalhista mas não aborrece com ninharias e mais da metade do livro é concentrado em aspectos mundanos que são usados para desenvolver os personagens, está ok mas não é necessário 700 páginas disso, não é como se houvesse um gigantesco estudo de personagem ou monólogos complexos que detalham a mente dos personagens como em Irmãos Karamazov, pelo contrário, o ponto do livro é mais concentrado nas ações dos personagens, uma forma mais complicada de escrever, usando de monólogos é mais fácil exprimir a mente do personagem, aqui existem ações concretas, ações das quais o leitor por intuição tenta captar a ontologia da obra. Outro problema com esse livro são os diálogos políticos, geralmente ocorrem do nada sem uma construção prévia fazendo com que pareça desconectado da história, o que não é o caso, os diálogos de política e filosofia estão intimamente conectadas com a obra mas devido a carência de sutileza termina dando essa impressão de algo está fora de lugar. Talvez a maior crítica que posso fazer a este livro é que ele é demasiado monótono em um ponto que foi desagradável ler algumas partes pelo excesso de falatório, o falatório esticado e arrastado está apenas para fazer o livro maior do que ele deveria ser.

Essa crítica sobre ser monótono é algo que pode afastar muita gente, porque diferente de outras obras de Dostoiévski, onde sempre está ocorrendo algo, seja um assassinato, uma investigação policial ou algum monólogo mind blowing que te prende até o final aqui encontramos uma espécie de slice of life filosófico. O início do livro é bem envolvente e tocante, em especial para os mais sensíveis e espirituosos, todavia a metade e o fim do livro possuem um toque novelístico bem abaixo para os padrões de escrita do Dostoiévski, coisa que ele corrigiu em Irmãos Karamazov, onde o drama funciona porque os personagens movem a trama, os diálogos e monólogos estão bem estruturados e justificados. Quer dizer que é um livro ruim? No, seus temas são altamente reflexivos, os diálogos apesar de extensos e aparentarem desconexão são interessantes para entender o contexto histórico bem como a visão do autor sobre os assuntos, não há nenhuma perda com o Personagem de Míshkin, Nastássia e Rogojin, são personagens bem construídos e a obra está carregada dos bons valores cristãos, o que me agrada nesse tipo de obra é que não há apenas sermões mas sim demonstrações, o livro não está cuspindo no leitor frases de efeito e receitas de conduta, está mostrando através de personagens bem construídos e humanos a forma da qual não devemos agir, é mais verossímil e capta muito mais pessoas que apenas dizer "hur o ateísmo é coisa do diabo" sabemos que é mas é mais interessante e agradável ver o porque de ser assim e as consequências, ainda mais que considero bastante a situação em que se encontrava o autor, é definitivamente um trabalho admirável e artisticamente belo, dotado dos melhores valores.



O ETERNO MARIDO(1870): Uma novela sobre um boêmio rasteiro e adúltero que pratica atos libidinosos com várias mulheres e... Bueno só, não há uma grande mensagem por trás e tão pouco tem um plot interessante, é apenas a história de um boêmio adúltero que cruza com um dos homens que corneou e este decide se aproximar dele por achar que ele é o pai de um filho que teve com a mulher que teve relações com... Ok, tentei tirar alguma lição ou mensagem ou mesmo algo de útil dessa novela mas é só isso. Vejo interessante abordar o tema da infidelidade conjugal de forma negativa e quiçá algo mais profundo detalhando uma relação amorosa mostrando como esse estilo de vida é ruim, o livro não romantiza e condena o comportamento de Ricardão mas sabe, não é o suficiente e a história toma um rumo meio estranho depois de umas páginas, de modo que não me deixa muito o que falar;

5/10

OS DEMÔNIOS(1872): Com o eterno marido poderíamos estar presenciando a decadência e o fim da inspiração de Dostoiévski onde o autor repetiria tramas e seguiria algo mais convencional ao invés de seguir a linha das novelas psicológicas no? graças a dios não é o caso e a prova é Os Demônios que entre outras coisas previu a revolução comunista na Rússia. Desde de cara a história apresenta um cenário de decadência cultural onde os liberais tomaram de conta, com a proliferação de ideias niilistas e anti-nacionalistas que carrega consigo um servilismo evidente pelos europeus, coisa que Dostoiévski odiava e tratou de criticar em seu livro, denunciando os erros e o caminho que a Rússia estava trilhando. O livro gira em torno de um professor de letras chamado Stepan Trofimovich Verkhovensky que vive sob os favores de uma generala viúva, dona de terras chamada Várvara Stravoguina.

Stepan é um sujeito manso, bobão que carece de masculinidade, não por ser homossexual mas por ser um emasculado que vive sob a tutela de Várvara que exerce o papel viril da relação, ela confia a Stepan a educação de seu filho Nikolay Stravoguin que é treinado por Stepan para ser o cabeça de uma revolução futura. Stravoguin cresce sob a influência das ideias utópicas de Stepan e desenvolve uma ideia de ateísmo e amoralidade que em si termina lhe influenciando a viver intensamente para os prazeres da carne, dormindo com várias mulheres e virando um alcóolatra, com Stravoguin, Dostoiévski quis criticar o hedonismo e a decadência espiritual gerada pela falta dos valores cristãos. Stravoguin é o personagem mais complexo da obra, tanto que tem para si um capítulo especificamente para falar de seu final, onde ele confessa um crime macabro que não citar para não estragar a exp
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Added by Magnifik
1 year ago on 15 January 2023 23:12

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kathy