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O abismo que é a mente humana:

O abismo que é a mente humana:

Depois de um tempo decidi fazer um remake de minha resenha sobre Memórias do Subsolo porque esta carecia de detalhes mais profundos, a verdade é que esse livro necessitaria de outro livro apenas para explica-lo, tal é a grandiosidade de seus temas, o genial Dostoievski logrou representar através dessa obra vários aspectos sobre a psique humana, desenvolvendo temas como Niilismo existencial, individualismo, egoísmo racional, depressão e um largo etc. O livro gira em torno de um personagem sem nome, mais conhecido como "narrador" ou simplesmente "O homem do subsolo" que se trata de um homem amargurado e mesquinho que decide se isolar em um subsolo passando toda a sua vida distante do mundo, perdido em seus próprios pensamentos onde divaga e escreve algumas coisas sobre a vida. Com esse livro, quis Dostoievski alertar o mundo sobre as ideias que estavam tomando conta do mundo ocidental, antecipando em várias de suas obras, vários movimentos, ideias e acontecimentos, sua obra permanece brutalmente atual e é quase um choque que ele tenha antecipado isso quase 200 anos antes. Passando por temas como comunismo, socialismo, utopismo e anarquismo, o livro do subsolo se concentra mais em torno dos aspectos do niilismo moral que é largamente atacado nessa obra.

Dando um panorama geral, Dostoievski em sua juventude participou de movimentos revolucionários anti-czaristas, sua mudança de mentalidade ocorre quando esteve prestes a ser condenado a enforcamento por conspiração, somado a sua dura e triste história, passando por momentos perturbadores como  presenciar a morte de um estudante por um grupo niilista, experiência essa que o impactou profundamente, passando por várias reflexões durante seu tempo de prisão, Dostoievski finalmente percebe o problema que havia em sua filosofia e visão de mundo, é então que, frustrado pelo que presenciou e viu, veio a escrever textos totalmente contrários às ideias que estavam ganhando espaço na Rússia. Cabe esclarecer que grande parte dos pensadores revolucionários da época tiravam suas ideias diretamente do Ocidente fortemente influenciados pelos ideais marxistas e russeaunianos que estavam na moda até então. As discussões a respeito do niilismo na literatura ganha popularidade em 1862, quando Ivan Turgnev publica o seu melhor livro até então "pais e filhos" do qual os personagens discutem a respeito dessa nova ideia que estava se tornando popular nos meios acadêmicos e em especial entre os jovens.

O niilismo na literatura é um tanto antigo e é dotado da velha dúvida sobre a existência ou não de Deus, se Deus não existe então tudo é possível? Se não há Éden então poderíamos criar aqui na Terra o nosso próprio Éden? Os niilistas negam tudo, negam a ordem, a moral e todo conceito ou definição. Um dos pilares do niilismo é o egoísmo racional, essa filosofia prega que devemos maximizar os nossos interesses individuais de uma forma utilitária a fim de buscar a felicidade entre os indivíduos, que deves pensar apenas em ti mesmo, usando de qualquer artifício para lograr essa tal felicidade. Se não consegues enxergar o problema com essa filosofia então estás mau da cabeça. Muitas dessas ideias possuem suas raízes no determinismo racional que é outra corrente de pensamento igualmente errônea já que ignora os aspectos inerentes da natureza humana e reduzem tudo a números em uma tentativa de racionalizar cada aspecto de nossas vidas, até mesmo seu prazer ou dor, humor ou personalidade através de cálculos e da tecnologia, e isso como todos bem sabem evoluiu para o transumanismo que possui implicações ainda mais sinistras desde o ponto de vista filosófico, mas por hora me deterei a  falar apenas sobre o egoísmo racional.

Dostoievski via com maus olhos essa ideia de egoísmo racional e considerava um perigo genuíno porque vejamos, glorificar o "eu" é uma ideia bastante perigosa se tomamos em conta de que possuímos falhas e que não somos absolutos, logo carecemos de vários conhecimentos e valores que são adquiridos apenas com o tempo e com outras pessoas, como os nossos pais, idolatrar o "eu" levaria as pessoas inevitavelmente ao egoísmo puro que nos jogaria em uma espiral de loucura e niilismo, basicamente seria algo como "dane-se o mundo, dane-se as pessoas, dane-se tudo e apenas importa a minha pessoa". Para Dostyevski, estaríamos caminhando para um princípio de individualidade extrema, de intensa autopreservação, de egoísmo pessoal, da vivência em função de si mesmo, desgraçadamente ele estava certo e tudo que apontou em suas críticas se intensificaria com o passar dos anos, ao passo que hoje há por ai centenas de pessoas como o homem do subsolo, a tecnologia tomou proporções gigantescas ao ponto de que as interações humanas diminuíram significativamente, tudo se dá através da tecnologia, as pessoas se tornaram mais individualistas e por consequência, mais solitárias e vazias. E estamos caminhando para que haja mais conforto, mais tecnologia, mais comodismo e mais individualismo e por consequência haveria certamente uma expansão de aberrações pelo mundo. Dostoievski acreditava que essa glorificação do "eu" tornaria as pessoas mais frias e por consequência o amor humano esfriaria, conectando com a passagem bíblica de Matheus 24:12 "o amor de muitos esfriará".

O mundo ia por um caminho do qual deixaria de lado a religião, contrastando com as ideias de Dostoievski que clamava pelo retorno às tradições, ele ao contrário acreditava no valor das relações humanas, da religião, do amor fraterno e incondicional, passando sempre em suas histórias a moral cristã e sobre o quão importante é "amar o próximo" não apenas por conveniência ou por esperar algo em troca de forma utilitária, mas sim para estabelecer uma melhor relação e um ambiente mais saudável e humano. "O amor ao próximo não pode sair de nenhum cálculo ou interesse próprio". É então que chegamos finalmente ao livro, o personagem do subsolo totalmente dominado por essa ideia de egoísmo racional, onde ele acredita que está em um nível superior por ter rejeitado a moral e de ter transcendido para um estado mais alto. Ele descreve a si mesmo como um "intelectual moderno", e bién é bem óbvio que hoje em dia estejamos submersos por intelectuais, cientistas e figuras públicas que pregam o individualismo extremo tais como "que podemos fazer o que quisermos pois não há consequências" eu posso ser um hedonista degenerado ou um pervertido libertino e não há problema porque afinal a sociedade que se dane, não tenho que me preocupar com os outros porque sou mais importante que tudo e tudo gira ao redor de mim, acabo de descrever uma parcela significativa da população.

Como mencionei anteriormente vários intelectuais russos estudaram na Europa e importaram essas ideias para o resto do mundo, um desses foi Nikolay Chernyshevsky, outro desses idealistas utópicos que acreditava em sociedades perfeitas regidas pelos cálculos e pela tecnologia tendo como Deus, a ciência e seus livros estão dotados de ideias russeaunianas de que o meio que corrompe o homem e não o homem em si que já é corrompido, ideia essa que já expliquei melhor em minha resenha de "os demônios". Retornando a Chernyshevsky, este compartilhava da ideia de Rousseau de que o homem é naturalmente bom e receptivo da intelectualidade e que se fôssemos regidos pela razão, alcançaríamos a sociedade ideal, a sociedade utópica onde tudo é calculado e que não há sofrimentos ou tristezas e que mesmo essas emoções poderiam ser solucionadas pela tecnologia(drogas, pornografias, realidade virtual ou qualquer coisado tipo) alcançando um estado de individualismo onde o homem não teria capacidade de cometer o mal pois estaria perfeitamente feliz e preservado de dores ou quaisquer mal, um pensamento utópico que continua sendo utópico porque bruh a realidade. Sobre o pensamento utópico e o pensamento messiânico eu já abordei em minha resenha de "Os demônios", mas pincelando um pouco diria que o que torna o pensamento utópico impraticável é justamente a sua natureza idealista que a isola do espaço tempo, sendo algo que está além das condições humanas, por mais que tenhamos tecnologias, continuamos cometendo erros, por mais que tenhamos a ciência, ainda sim não somos perfeitos e sempre haverão guerras, conflitos e discordâncias de pensamento porque o ser humano não pode ser definido por cálculos, somos de certa forma instáveis e imprevisíveis.

Tentar impor a todos um sistema onde tudo é previsível e calculado é impossível, mesmo materialmente já que, não há como prever desastres naturais, guerras e revoltas, o momento atual é uma prova disso, ninguém conseguiria prever uma pandemia ou uma guerra na Europa. O que está mau com esse pensamento de Chernyshevsky é que também nos condiciona a um estado de mediocridade já que se todos formos iguais não haverá graça alguma, a vida se tornará monótona e com toda certeza do mundo haveria alguém para desafiar o status quo. Em seu romance Chernyshevsky idealiza o "palácio de cristal" que representa a conquista da excelência da humanidade, um lugar onde todos os problemas do mundo seriam resolvidos e que se seguíssemos esse caminho, a humanidade teria seu próprio palácio de cristal, dando abertamente um argumento contra o livre arbítrio, analisemos que se tudo pode ser determinado e que sigamos esse modelo determinista, automaticamente perderíamos nosso livre arbítrio e por consequência nossa individualidade, logo esse sistema entraria em um paradoxo incalculável. Para refutar essa ideia, Dostoievski em seu livro "memórias do subsolo" usa o homem do subsolo para demonstrar como essa filosofia de egoísmo racional peca ao desconsiderar toda a natureza humana.

Dostoievski acreditava que o ser humano era falho e que sempre tenderá à irracionalidade, que é instintiva e intuitivamente destrutivo e violento, que apenas a fé cristã é que poderia ajudar a humanidade a dominar o caos e os impulsos. Essa ideia é largamente explorada em seu outro romance "Irmãos Karamazov"(do qual já fiz uma resenha) através do personagem de Starietz Zósima que acreditava que apenas domando os impulsos e o egoísmo é que poderíamos amar verdadeiramente as pessoas "o jejum, a oração e a devoção são os únicos caminhos para a verdadeira liberdade, o domo e o flagelo da vontade egoísta é o que transforma o ser humano em um ser dotado de amor e compaixão". As ideias utópicas que Dostoievski tanto criticava terminaram se tornando regra quando houve o apogeu  dos ideais comunistas e do liberalismo social democrata, que deu origem a várias atrocidades cometidas durante o século 20. A ideia de criar uma sociedade perfeita sem a figura de Deus resultou em dezenas de massacres, pobreza, guerras, mortes, niilismo, ateísmo, imoralidade e genuína deturpação do gênero humano ao ponto de que quase todas as abominações que vemos hoje em dia é fruto direto da falta de Deus e desse pensamento inconsequente e niilista, a ascensão do materialismo trouxe consigo diversos problemas como o aumento descontrolado de suicídio, depressão, ansiedade, hedonismo e etc. Chegou a um certo ponto em que algumas pessoas não são capazes de entender o problema que há em se degradar em vícios.

Passando para o personagem, O homem do subsolo é um anti-herói, funcionário público que vive de sua aposentadoria em seu subsolo, amargurado, triste e solitário sem nenhum amigo ou esposa, odiando a si mesmo em um lugar apertado com alguns ratos e insetos de companhia, tomado por um ar claustrofóbico onde passa anos de sua vida ouvindo as pessoas conversarem, escrevendo em seu diário. "Sou um homem doente, sou rancoroso.. sou um homem pouco atraente. Acho que meu fígado está doente... Não, me recuso a consultar um médico por despeito... Meu fígado está bem ruim... Bom, deixe piorar" somos introduzidos a um personagem triste e emocionalmente quebrado onde o autor irá explorar sua mente através de um detalhado monólogo interno do personagem. Ele vive de escrever para um público que não existe, se auto despreza constantemente, tal é seu grau de alienação que mente para si próprio e para os seus supostos "leitores" dizendo as vezes que é incapaz de se definir, tendo que inventar algumas características, como de que ele é "rancoroso, mal, egoísta" como dito pelo mesmo:

“Na realidade, eu nunca poderia me tornar rancoroso. Eu estava consciente a cada momento em mim de muitos, muitos elementos absolutamente opostos a isso... eu sabia que eles estavam fervilhando em mim toda a minha vida e desejando alguma saída de mim, mas eu não os deixaria... de propósito não os deixaria vir Fora. Atormentaram-me até me envergonhar: levaram-me a convulsões e – enfim, adoeceram-me, como me adoeceram!”

entre algumas aspas, poderíamos dizer que o objetivo do homem do subsolo é conseguir definir ou moldar o seu caráter sendo ele uma mistura de emoções caóticas e conflitantes, uma genuína busca por si mesmo, ele não sabe quem é e sabe que o seu estado normal é não saber quem é, não atoa ele carece de nome no livro. Para fugir da sua realidade miserável, o homem do subsolo busca refugiar-se em livros e em histórias fantasiosas, uma espécie de escapismo que ele usa para fugir de seus problemas. Até este ponto encontramos alguém emocionalmente quebrado e com sérios problemas psicológicos, alguém afundado em um abismo mental, incapaz de se auto reconhecer, isolado das pessoas que ele considera inferiores a ele, em outras palavras ele é um hikikomori, que em japonês se refere a alguém com problemas de socialização e que passam boa parte do seu tempo em casa, longe do mundo e das pessoas, distantes e inertes em seus próprios pensamentos. Esse tipo de pessoa sabe de sua condição, coisa que a envergonha profundamente e para esquecer desses problemas eles buscam refúgios em coisas como jogos, livros de fantasia, filmes ou animes, as vezes até em coisas mais baixas como pornografia, porque dá ao indivíduo um certo alívio nessa montanha de sentimentos ruins e melancólicos. “Todo homem tem reminiscências que não contaria a todos, mas apenas a seus amigos. Ele tem outros assuntos em mente que não revelaria nem aos amigos, mas apenas a si mesmo, e isso em segredo. Mas há outras coisas que um homem tem medo de dizer até para si mesmo, e todo homem decente tem muitas dessas coisas guardadas em sua mente. Quanto mais decente ele for, maior será o número de tais coisas em sua mente.”

Nessa parte o homem do subsolo se refere aos nossos demônios internos, nosso medos e aflições, coisa da qual todos temos e sempre teremos, medo da morte, medo da rejeição, da solidão e do desprezo ou da humilhação, no caso do protagonista ele foi dominado pelos seus demônios internos. Sua tragédia consiste em que ele deixou o convívio social, se isolou do mundo por um medo obscuro de ser rejeitado ou de ser mau visto, estando sempre racionalizando cada passo entrando em um abismo de pensamentos, que Dostoievski nomeia de "hiperconsciência" se trata de um estado de espírito onde o indivíduo não consegue conceber nada além de seus pensamentos, estando quase que inteiramente absorto em suas ideias por várias horas do dia, é uma pessoa que pensa demais em coisas que não deveria pensar. O protagonista é uma vítima da hiperconsciência e está sempre antecipando coisas em sua cabeça, prevendo reações e temendo que tudo dê errado, ele pensa tanto que não consegue entender ninguém nem ele mesmo, sendo esmagado pelas suas inseguranças e medos internos.

Para ignorar o que lhe acontece, o homem do subsolo cria para si mecanismos de defesa e autopreservação, está sempre arrumando desculpas toscas para si mesmo, justificando suas tolices através de mentiras que ele conta para si mesmo, que "não fiz tal coisa porque Deus me impediu" ou "só não vou lá porque não vai me trazer nenhum benefício". Dostoievski nos dá a analogia do muro, quando enfrentamos uma dificuldade que é impossível de ser solucionada, ou seja, um muro em nossa frente, somos incapazes de derrubar o muro com a força própria, uma vez que ele não consegue derrubar o muro então ele passa a pensar e pensar muito, retornando ao tema da hiperconsciência “É claro que não posso romper a parede batendo minha cabeça contra ela se realmente não tenho forças para derrubá-la, mas não vou me conformar com ela simplesmente porque é uma parede de pedra e não tenho força . Como se tal parede fosse realmente um consolo…”. Em poucas palavras, o homem do subsolo está preso em seus próprios pensamentos infinitos, diante do muro que ele não vai derrubar.

“Eu não sabia como me tornar nada; nem rancoroso nem bondoso, nem patife nem homem honesto, nem herói nem inseto. Agora, estou vivendo minha vida no meu canto, zombando de mim mesmo com o consolo rancoroso e inútil de que um homem inteligente não pode se tornar nada seriamente, e é apenas o tolo que se torna qualquer coisa.”

Mais uma vez o livro ressalta a busca do personagem pela identidade própria, o homem do subsolo encontra consolo porque é mais esperto que todos ao seu redor porém, socialmente estão todos bem acima dele. A sua vaidade e narcisismo o leva a menosprezar todos ao seu redor, mas ele não consegue viver em paz sem que saibam que ele é superior e acaba caindo em autodesprezo quando percebe que todos o tratam com indiferença. Apesar de ninguém odiá-lo realmente, ele cria em sua cabeça a noção de que todos detestam e menosprezam ele, o apelido que ele dá a si mesmo de "rato" “O rato sem sorte consegue criar em torno de si tantas outras maldades na forma de dúvidas, emoções e desprezo que lhe são lançados pelos homens de ação diretos… acenar com a pata e, com um sorriso de desprezo assumido em que nem ela mesma acredita, rasteja vergonhosamente em sua toca de rato. Ali, em sua repugnante, fedorenta, casa subterrânea, nosso camundongo insultado, esmagado e ridicularizado prontamente se absorve em despeito frio, maligno e, acima de tudo, eterno. Por quarenta anos juntos, ele se lembrará de sua lesão até os menores e mais ignominiosos detalhes, e cada vez acrescentará, por si mesmo, detalhes ainda mais ignominiosos, provocando e atormentando-se maldosamente com sua própria imaginação.”

O homem do subsolo é uma pessoa morta em vida, que não conseguiu ascender nem socialmente nem financeiramente devido o seu isolamento e temperamento arrogante e narcisista que só consegue encontrar prazer no seu atual estado de desesperança e desespero. E ele entende que as pessoas não entenderão o que ele sente e sempre o tratarão com indiferença “O que quer que tenha acontecido, aconteceu de acordo com as leis normais e fundamentais da consciência intensificada e por uma espécie de inércia que é uma consequência direta dessas leis, e... tentar."

Além disso o homem do subterrâneo é um sádico que consegue encontrar prazer no sofrimento, ele sofre e sente dor para que os outros ao redor dele sofram também, uma espécie de condição onde o indivíduo com ódio extremo termina causando dor a si mesmo em busca de chamar atenção, confessando que ele é um masoquista “Senti uma espécie de deleite secreto, anormal, desprezível, quando, ao voltar para casa numa das noites mais sujas de Petersburgo, percebia intensamente que, novamente, eu havia sido culpado de alguma ação covarde naquele dia… e interiormente, secretamente, eu Eu ficava me importunando, me preocupando, me acusando, até que finalmente a amargura que eu sentia se transformou em uma espécie de doçura vergonhosa e condenável e, finalmente, em verdadeiro prazer positivo! Sim, em deleite! … A sensação de prazer estava lá apenas porque eu estava tão intensamente consciente da minha própria degradação .” É uma condição onde o sujeito passa a amar a sua própria degradação, ao ponto de sentir prazer nela, não há como racionalizar isso, é apenas o reflexo e uma demonstração do quão quebrado está o nosso protagonista.

O homem do subsolo ao perceber que está perdido em um determinismo gerado pelo egoísmo racional, ele termina praticando uma espécie de auto sabotagem onde ele acredita que não há nada que ele possa fazer para mudar ou melhorar. Enquanto sua mente lhe proporciona a racionalidade e o livre arbítrio, ela também lhe joga em um abismo, esse abismo é o determinismo, ele tem ciência de que não irá melhorar nem mudar e é então que sua mente se torna ao mesmo tempo, a sua amiga e a sua principal inimiga. O homem do subsolo acredita que o homem nunca se acostumará com o determinismo e que sempre estará disposto a sacrificar os seus comodismos pela livre escolha. O protagonista é contra o racionalismo, mas não contra a racionalidade, ele acredita que o racionalismo nos guiará para um sistema monótono onde perderíamos o nosso livre arbítrio, e que no fundo isso jamais aconteceria, pois as pessoas não se conformariam com o mesmo a vida inteira. É aqui que a visão do autor do livro fica mais clara já que Dostoievski é contra essa ideia de que a racionalidade e o progresso trazem mais felicidade aos seres humanos, no fim ele estava certo já que nunca em toda a história tivemos índices tão altos de suicídios e depressão. Durante a prisão na Sibéria, Dostoyevsky observou que muitos dos seus colegas enlouqueciam de propósito. Este ponto implica que a filosofia egoísta racional teria que levar em consideração a ação humana e sua imprevisibilidade, refutando toda a ideia por trás.

“O homem gosta de fazer estradas e criar, isso é um fato indiscutível. Mas por que ele tem um amor tão apaixonado pela destruição e pelo caos também? … Não será que ele ama o caos e a destruição… porque tem medo instintivo de atingir seu objetivo e completar o edifício que está construindo? Quem sabe, talvez ele só ame aquele edifício de longe, e não o ama de perto; talvez ele apenas ame construir e não queira morar nela... De fato, o homem é uma criatura cômica; parece haver uma espécie de brincadeira em tudo isso…”
Aqui o autor explora a nossa relação com os objetivos e metas, sobre temer concluir algo e esse algo não satisfazer por completo, gerando um gosto amargo, somos por natureza ingratos e nunca estaremos totalmente conformados com a realidade. O autor do livro também diz que jamais o homem renunciará ao sofrimento e que somos amantes do sofrimento.

Ao final de contas, quão bom é esse livro? Bom, apesar de contar com apenas um personagem, ignorando os secundários que não possuem caracterização e existem apenas para nos demonstrar o quão quebrado o nosso protagonista está. O personagem principal é fantástico a nível de escrita e é um dos personagens mais complexos já escritos, possui vários questionamentos, inseguranças, medos, ideias, dilemas e uma genuína exploração em sua psique, Dostoyevsky tem um dom para escrever personagens psicológicos, tenho pouquíssimo do que criticar e tirando o fato de que o protagonista não possui um contraponto ou um bom final, ainda considero esse um dos melhores e se não o melhor, estudo de personagem jamais escrito e finalizo com:

Personagen:10/10

desenvolvimento:9/10

temas:10/10

importância:9/10

escrita:9/10

nota final:9,4/10


9/10
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Added by Magnifik
2 years ago on 27 April 2022 00:50

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