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Review of Oblomov (1859)

Como é estar morto em vida? Como seria ter a vida de alguém que vive para acordar, comer, dormir e não fazer mais nada, uma vida de sedentarismo e hedonismo que parece infinita, de pronto a sua vida está estagnada, você nem se levanta mais, não toma sol e vive isolado sem viver a vida, não amigo não estou descrevendo os otakus, estou descrevendo a vida de Ilya Ilych Oblómov um nobre senhor que vive na Rússia Czarista do século 18 em uma cidade pacata onde quase nada ocorre. Oblomóv é um alerta e uma crítica amarga e intragável sobre o sedentarismo, o comodismo e as jaulas mentais que nos aprisionam de fazer as coisas normalmente, é uma viagem na mente de um sujeito que perdeu completamente a vontade de viver, um típico comodista, se fosse para usar termos comparativos diria que é como a versão em livro de Welcome to the NHK(sim eu sei que o mangá é inspirado em uma novel, cala-te) ambos casos(Satou/Oblomov) são sobre um sujeito que não consegue sair do quarto, que basicamente não vive, que não é um cretino completo mas alimenta comportamentos perniciosos e que encontraram em outra pessoa um motivo para viver. Todavia eu digo que Oblomov logrou ser ainda mais dark e psicológico que NHK(se é que é possível) e possui implicações sinistras quando começas a pensar.

Oblomov segue uma linha narrativa de descrição sequenciada por diálogos que focam em descrever e desenvolver as características e personalidades dos personagens, dando pouca importância para o cenário ou coisas de fundo como casas e etc. Para Ilya temos a descrição de um gordo sedentário com sérios sinais de depressão e falta de motivação, Ilya é um personagem para lá de complexo porque não só é detalhado seu modo de vida e personalidade também nos é exposto trechos da sua psique com a segunda parte nos dando todo um contexto psicológico do porque Ilya terminou assim, apático e distante. Ilya recebeu desde a infância uma espécie de super proteção da mãe que lhe basicamente o impediu de ter contato com coisas mais agressivas como bullying, somado ao fato de Ilya viver em uma vila onde reina a fartura e a abundância, onde os servos comem 5 vezes por dia e os senhores comem o dobro, vila dos sonhos de qualquer um, de modo que Ilya jamais teve contato com o sofrimento ou decepções, viveu uma vida livre de qualquer preocupação, o que se paras pra pensar foi exatamente essa a razão pela qual Ilya se tornou um hedonista.

Sabemos que o ser humano trabalha, tem dinheiro e busca comida por fatores de subsistência, trabalhamos para ter dinheiro e temos dinheiro para ter comida, temos comida para não passar fome, há um propósito para cada um, todos temos um motivo em especial para levantar todos os dias e não apodrecer numa cama, esse motivo pode partir de diversas situações, agora imagine uma realidade onde não há nada para lutar, onde não há preocupações e tudo se resume a prazer e mais prazer, seria uma maravilha nos primeiros anos mas rapidamente se tornaria algo cinza e sem graça porque perderíamos o propósito de existir já que mesmo os prazeres enjoam rapidamente se não há estímulos ou mesmo um intervalo entre eles. Esse mundo de hedonismo e indolência rapidamente gera um vazio existencial que só pode ser artificialmente suprido por outros prazeres e assim se cria um ciclo onde o individuo se torna totalmente conformado em estar dopado, assim surgem vários casos de depressão e outros transtornos mentais.

No caso de Ilya a sua condição de indolência foi plantada pelos seus pais e alimentada pelo próprio durante a vida, o livro nos indaga vários questionamentos filosóficos e existenciais, principalmente sobre o sentido da vida e a falta de sentido, sobre o quão vivo realmente estamos, que marca e que impressão deixamos nas pessoas, será que realmente estamos vivos ou apenas emulando e deixando as coisas que importam de lado, seja por um desejo egoísta ou por um medo interno que nos impede de viver? São algumas das indagações do livro que te colocam para pensar e pensar sobre nossas atitudes. Durante toda a história Ilya topa com figuras medíocres e irrelevantes que nunca obtiveram sucesso, vivendo vidas medíocres e passivas, gerando em Ilya a impressão de que não vale a pena ter uma vida se é para desperdiça-la em algo assim quando se nem se sabe se o sucesso será alcançado. É exatamente aí que Ilya começa a criar prisões mentais que lhe impedem de tomar uma atitude e agir.

É comum hoje em dia o uso do termo "coping" em alguns forúms e redes sociais, que se refere a um otimismo que segundo os que usam o termo seria um abuso do otimismo, algo como "terei sorte hoje e apostarei na loteria e ganharei""em 72 horas o exército intervirá" é uma espécie de otimismo irreal que serve para aludir pessoas que pensam que o mundo é como nos filmes. Com o tempo o "coping" deixou de ser um termo pejorativo usado para evidenciar uma certa ingenuidade para ser um termo usado por fracassados que tentam de todos os modos criar blindagens mentais para não ter que enfrentar os problemas de frente com a ideia de que tudo dará sequencialmente errado, não importando o que se faça se convertendo em um pessimismo irreal e vitimista onde o indivíduo presume um resultado ruim sem sequer tentar. Menciono isso porque é a chave para entender a psicologia de Ilya, Ilya é um sujeito que se convenceu de que nada que ele faça mudará ou importará de todos os modos e que é melhor viver isolado em um quarto divagando e falando sozinho com servos que o desrespeitam.

A condição de Ilya muda quando conhece Olga, uma mulher jovem e bonita que tomada por uma espécie de pena resolve se aproximar de Ilya, desenvolvendo no processo um relacionamento quase recíproco. Ilya enxerga em Olga um motivo para sair do quarto, um motivo para viver, como se a chama da vida voltasse a brilhar no nosso herói. Nesse aspecto me agrada como o livro não retrata Ilya apenas como um cretino sem nenhuma virtude, o autor nem sataniza nem glorifica a personalidade acomodada do protagonista, sendo o mesmo atencioso, sensível, honesto e justo, a crítica recai muito mais no seu comportamento comodista que qualquer outra falha de caráter. O restante dos personagens estão mais para complementar Ilya e o seu desenvolvimento e anti-desenvolvimento. Sim, Ilya tarda alguns capítulos até sair do quarto e conhecer Olga até finalmente se apaixonar, e a parte da dupla romântica consegue ser realmente interessante e superior ao romance em NHK, mais que nada porque em NHK o romance fecha o arco dos personagens e em Oblomóv é desenvolvido todo um arco onde Ilya se apaixona por Olga, se desilude e volta aos velhos hábitos tendo um final sumamente triste nos dando uma mensagem crua mostrando que certas escolhas são irreversíveis, isso é algo que pouquíssimas séries, animes ou filmes podem oferecer.

Digo que o livro é reflexivo e que o final é triste mas na verdade o tom geral da obra é bastante sutil, possui seus momentos tocantes assim como há vários momentos cômicos mais que nada porque Ilya é um personagem agradável fora dos seus problemas, suas interações com o seu criado, com Olga, com os outros amigos e inimigos, inclusive é um tipo mais identificável que os personagens rudes e sanguinários de Dostoyevsky(eu criticando Dostoyevsky, uau que raro). A obra também nos mostra os entraves de se ter um relacionamento, como não é tudo preto e branco como apontam algumas obras, isso é, preocupação com dinheiro, com sentimentos adversos e etc. Poderíamos dizer que a relação de Ilya com Olga foi para nos dar uma mensagem sobre não depender de outras pessoas para obter a própria felicidade, ao mesmo tempo que podemos dizer que a relação com Olga reviveu a chama da vida em Ilya e sobre o quão importante é ter apoio emocional, creio válido ambas interpretações.

Sobre os defeitos do livro, bom, são poucos e incluem o final, pessoalmente desejaria um final otimista para Ilya, um final onde Ilya se casa com Olga ou que desenvolve algo mais vívido como um hobbie ou outra coisa, porque havia uma dose de virtude e carisma em Ilya, não é como o homem do subsolo. Geralmente não reclamo de finais trágicos mas nesse caso eu internamente desejaria um final otimista. Falando do final, foi claramente um encerramento apressado e com time skips que omitem muitos acontecimentos, todavia de modo algum isso destrói tudo que foi construído.
Em conclusão Oblomóv é mais uma obra prima da literatura russa, uma obra profunda com vários dilemas filosóficos, uma fantástica exploração psicológica sobre temas tão relevantes hoje em dia, porque fora da trama, estamos falando de um livro escrito no século 18 quando sequer existia a ideia de Hikikomoris ou neets. Me agrada a mensagem de escolher viver invés de cair na inércia, que estar respirando não significa necessariamente estar vivo, que o sofrimento faz parte da vida e que devemos sofrer, que a falta de sofrimento por si só cria outros sofrimentos, um livro que facilmente entrará para o meu top livros.

9/10

"Sejam almas vivas, não almas mortas" Nikolai Gogol
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Added by Magnifik
1 year ago on 28 December 2022 11:06

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kathy