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"ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver"

Vamos por fim falar do livro do qual todo brasileiro é obrigado a ler na escola, Memórias Póstumas de Brás Cubas é um livro experimental escrito por Machado de Assis na era pré-republicana que narra a história de um canalha chamado Brás Cubas, um tipo suspeito. Bueno, Machado de Assis é um escritor interessante porque ele logra mesclar elementos do realismo poético com elementos grotescos de humor negro, um exemplo disso é essa sua obra que conta desde a perspectiva de Brás Cubas, que nos conta as suas aventuras e desventuras como se de um diário se tratasse, sendo mais um estudo de personagem que uma história com trama e objetivo, carecendo de um foco próprio, não há uma busca, mistério ou seja lá, sendo mais focado em caracterizar Brás Cubas que é um rapaz elegante, culto e refinado ao mesmo tempo que é sovina, egoísta e cínico que tenta fazer algo grandioso para tentar ser lembrado e falha miseravelmente terminando sem filhos, sem invenção, sem crédito e esquecido.

Se já leram Apanhador no Campo de Centeio ou Memórias do Subsolo não devem estranhar esse tipo de narrativa focada em apenas um personagem divagando sobre assuntos ou mundanos ou existenciais ao passo que contam histórias sobre a vida. Todavia contudo aqui não tem nenhum diálogo filosófico ou existencial, alguma que outra referência mas não é o foco e o próprio autor está ciente que sua obra não é para ser levada a sério, esse é um dos charmes de Machado, seu cinismo e pessimismo em relação as coisas é o que torna sua obra genuinamente cômica e ao mesmo tempo trágica, fora o seu brilhantismo em relação à escrita, o texto é sumamente agradável de se ler, pelo menos em português, não é excessivamente poético como Goethe mas também não é tão simplista como a obra de Salinger, nem exagera em prolixidade como Dostoievsky, é pelo contrário um texto bastante equilibrado e bonito de se ler.

Mesmo sendo boa a escrita, ainda há aqui e ali trechos sem sentido e erros de estruturação, fora que como é um livro experimental também está cheio desses elementos exóticos como a quebra da quarta parede ou a troca abrupta de estilo, passando de cartas à poemas até descrição de coisas. O cinismo pessimista de Machado é bastante presente em obras como Esaú e Jacó, criticando republicanos e monarquistas, tratando-os como mais um grupo de interesses particulares do que movimentos propriamente ditos, é aqui um ponto de partida ao niilismo que influenciou bastante a obra de Machado, novamente, não que o livro seja sobre filosofia ou história, é apenas uma crítica aos personagens comuns do Brasil império.

Sobre os personagens: Tirando Brás Cubas o restante dos personagens não possuem tanta presença sendo o parceiro de Brás Cubas, Quincas Borba o segundo personagem com mais interações, Quincas Borba é um filósofo louco que prega uma filosofia interessante sobre a cadeia alimentar;

-Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos que assim adquire forças para transpor a montanha e e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais feitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
- Mas a opinião do exterminado?
- Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a substância é a mesma. Nunca viste ferver água? Hás de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e tudo fica na mesma água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias.

A filosofia de Quincas Borba é entre miúdos uma crítica ao positivismo darwinista e sobre a falta de ética dessas teorias.

As personagens femininas do livro são em geral interesseiras, egoístas, narcisistas, promíscuas e apenas, não possuem uma presença forte fora mostrar o quão louco está Brás Cubas.

Os erros do livro: sabemos e estamos carecas de saber que algo ser popular não significa que esse algo é automaticamente bom, é só ver a quantidade de lixo cultural que está na moda, em relação ao livro eu penso que é um tanto superestimado como obra, não é genial e nem nos apresenta uma nova perspectiva ou crítica profunda sobre questões existenciais como em Memórias do Subsolo, nem é tão monótono e carente de continuidade como "O Apanhador no campo de Centeio" é equilibrado entre ser cômico e trágico apesar de ser um tanto entediante ouvir histórias e histórias de desilusão amorosa do Brás Cubas, já sabem, "no ano tal, em um dia tal eu conheci fulana tal e etc" é algo que se repete tanto que até me confundi com os nomes. A conclusão é trágica, uau! Brás Cubas morre sem conseguir lograr nada, nem ser ministro, nem ser um médico reconhecido ou seja lá o que for, morrendo sem glória alguma.

Isso em si é problemático se você analisar a proposta, certa vez um filósofo chamado Olavo de Carvalho disse que não há heróis nem pessoas virtuosas no Brasil, dando o contexto da fala, ele se referia a literatura, os personagens da literatura brasileira estão inteiros compostos por gente mau caráter e de péssima índole, é só analisar os romances antigos como Canaã de Graça Aranha ou Os Sertões de Euclides da Cunha, sempre retratando o brasileiro como um povo ridiculamente mau e medíocre, esse último eu não discuto, mas ainda que assim o fosse eu teria que indagar a questão "onde estão os nossos heróis?" onde estão os personagens virtuosos que inspiram a beleza, a arte e a transcendência? A literatura brasileira está repleta de lunáticos, trapaceiros e canalhas que não ressaltam nenhum valor, é como se os autores estivessem em um estado de apatia niilista onde não existe pureza de caráter. Essa ideia de determinismo social é ruim em si mesma pois promove a mediocridade jogando a sociedade em uma espiral de mesmice e falta de valores elevados que por consequência torna um terreno fértil para os sociólogos marxistas, inclusive muitos deles usam esses romances para instigar a sua guerra de classes.

De modo que Memórias Póstumas é no máximo decente com uma competente caracterização do personagem de Brás Cubas;

6/10
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Added by Magnifik
2 years ago on 30 July 2022 10:13