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Review of The Complete Works of Dostoyevsky

Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, simplesmente Dostoiévski é o romancista mais importante da história da Rússia, estando ao lado de gigantes como Miguel Cevantes ou Shakespeare, com suas obras alcançando um nível de relevância que transcende o próprio período do autor pois como sabem, o que faz um autor ser relevante não o quão popular ele foi em seu tempo mas sim se sua obra permanece precisa em termos históricos e sociológicos. Estamos falando de um escritor psicológico em toda regra, cujo os personagens estão aí para retratar problemas sociais, filosóficos e políticos, ou pelo menos em sua maioria com algumas exceções interessantes que fazem da sua obra algo enriquecedor não apenas em termos literários como também em termos filosóficos, suas histórias estão carregadas de simbolismos sutis que coloca o leitor em um estado de meditação e reflexão sobre as ações e pensamentos dos personagens que ele representa, seus personagens em muitos casos são tão psicológicos que entram no terreno do existencialismo. Seus temas além de dotados de uma variedade de gêneros literários, passando por obras sobre assassinatos até obras sobre revoluções, quase sempre carregados de alguma reflexão que é expressa as vezes direta ou indiretamente pelo próprio autor.

O que descrevi acima pode soar como favoritismo já que comparto com a maioria das ideias que ele escrevia em seus livros, essa espécie de cristianismo social que se assemelha à Rerum Novarum do Papa Leão 13. Me agrada a visão de Dostoiévski sobre o cristianismo por ser algo voltado para o lado humano em vez de ser excessivamente pacifista ao ponto de aceitar deturpações das sagradas escrituras(assim como fazem as seitas neo-protestantes e assim o faz o atual papa) nem é tão caricato como "oh dios, serei salvo não importa o que faço" é algo muito mais como "a disciplina e o domo dos prazeres egoístas é o que possibilita o amor ao próximo" de alguma forma ele consegue conectar os pensamentos da terceira posição(fascismo) com os valores cristãos e um pouco de socialismo utópico de maneira que quase não há conflitos. Dostoiévski acreditava que o mal do mundo estava na falta de amor ao próximo, essa frase pega sem contexto pode soar como genérica e pregação repetitiva, no entanto, para os que já tiveram um contato mais profundo com a obra dele, é impossível não sentir a profundidade dessa questão.

Dostoiévski apesar de ser anti-socialista e condenar o igualitarismo, também não era 100% pró individualismo, chegando inclusive a criticar ferrenhamente os que se dizem egoístas racionais, que é uma outra vertente filosófica da época, ele acreditava que era essencial o contato humano e que carregamos conosco um grande vazio que apenas pode ser preenchido por Deus e pelos valores cristãos, que estarmos absolutamente sozinhos levaria a coisas como depressão, suicídio, ansiedade e demais problemas que se tornaram uma verdadeira moda no mundo secular. considero sua crítica em relação ao individualismo a mais exata e precisa já que carrega consigo vários questionamentos de caráter existencial, por exemplo, a falta de Deus e do amor ao próximo leva a um estado de amoralidade onde o indivíduo cria para si próprio um sistema moral para não ser consumido pela loucura de achar que não existem valores e logo não existe uma ordem preestabelecida, criando um paralelismo com o Übermensch de Nietzsche, um sujeito que superou o sistema moral vigente. Dostoiévski tem o mérito de ter antecipado aquilo que Nietzsche escreveria tempos depois.

Contudo seria entediante e bastante pretensioso se Dostoiévski escreve tudo isso que eu disse de forma direta em forma de sermão, seriam obras panfletárias carentes de valor artístico, o que como já sabem não é o caso. Os personagens ateus de Dostoiévski são sumamente humanos e possuem toda uma justificativa para pensar do modo que pensam, Raskolnikov por exemplo ou tipos mais exóticos como Fyodor Karamazov e o Homem do Subsolo. Cada um possui uma lógica interna que faz com que pareçam que estão certos, todavia o fim de cada um desses personagens está cheio de amargura, tristeza e miséria, não porque o autor seja um sádico que castiga os personagens dos quais discorda ideologicamente, mas sim através das próprias ações dos personagens, dando ênfase na escolha individual, a forma correta de escrever uma tragédia. Dostoiévski acreditava que nossos pensamentos induzem nossas ações, ser ateu nos induz a acreditar que as coisas não possuem tanto valor, tornando o indivíduo cínico em relação às coisas. Indo além da crítica aos movimentos revolucionários, o russo também criticava por vezes a falsa religiosidade bem com o cinismo e a inércia das classes superiores em sua época.

Fora de sua obra também cabe destaque para sua vida pessoal, sendo ele alguém que sofria de epilepsia e constantes infortúnios como perder a esposa, a filha e o irmão tudo em um período muito próximo, de ter se endividado, de ter sido preso e estando sempre em uma linha tênue entre escrever e sobreviver. Sua história de vida é algo bastante inspiracional e sem sombra de dúvidas foi o melhor romancista que a Rússia já produziu.

Sobre suas obras vale ressaltar que isso aqui será mais um review do que uma análise, porque se eu fosse parar para analisar cada uma das obras dele, esse texto teria mais de 100 mil caracteres. Também vale lembrar que não li tudo dele obviamente, deixo de fora o romance "O Adolescente" e coisas mais autobiográficas como "Memória da casa dos mortos". Sobre o romance O Adolescente, não encontrei em lugar nenhum uma cópia, nem físico nem virtual, de modo que pode tornar o meu review incompleto e que pretendo corrigir assim que encontrar o livro.

GENTE POBRE(1844):O primeiro romance de Dostoiévski, obra que lhe concedeu de cara já uma certa relevância na época, em especial nos meios revolucionários onde foi bastante elogiado ao retratar os problemas sociais e econômicos que a Rússia sofria na época. O livro conta a história de Makar Alekseyevich Devushkin, ou simplesmente Devushkin para encurtar, e de Varvara Alekseyevna Dobroselova, de novo, apenas Varvara, onde ambos trocam cartas relatando um ao outro o que se passa em suas vidas, ambos estão em uma espécie de namoro ou romance não declarado, são extremamente pobres e lutam diariamente para sobreviver para quem sabe um dia se encontrarem. Sendo Devushkin um homem gentil e bondoso e Varvara humilde e dócil, ao mesmo tempo que são virtuosos, também estão dotados de defeitos que faz com que sejam mais humanos do que apenas um casal comum de alguma história genérica onde o mocinho e a mocinha são puros. Devushkin por exemplo é um tanto alcólatra e comodista, coisa que irrita Varvara que apesar de boa, termina escolhendo ficar com um velho de condição mais elevada, deixando Devushkin em uma pilha de tristeza e depressão.

Esse livro me recordou outros romances de frustrados como "Sofrimentos de Werther" só que elevado a nona potência. Os dois protagonistas são interessantes já que não são nem desprezíveis nem excessivamente bons, é uma boa representação do populacho médio da Rússia no século 19 já que até então não havia esse cuidado de humanizar as classes mais baixas e coisas como generosidade, bondade e amor eram representadas apenas entre as classes superiores. O livro é quase que inteiramente escrito em cartas, uma forma criativa de detalhar o pensamento e as ações dos personagens, sendo esse um romance nada convencional e até pode-se considerar uma desconstrução do gênero(no bom sentido). O maior problema com esse livro é que os dois personagens são constantemente colocados em situações ruins de uma forma que não natural para gerar pena e termina criando um certo melodrama, alguns acontecimentos são um tanto apressados e o autor exagera muito na adjetivação dos termos. Sobre as cartas dos personagens, possuem certo grau psicológico e ao mesmo tempo filosófico com Devushkin explicando suas angústias sobre seu futuro e indagando algumas reflexões bastante pertinentes como a injustiça econômica do mundo, como alguns "nascem para sofrer enquanto outros são desde o nascimento, favorecidos pelos bens materiais".

É ao contrário do que esperava, um romance honesto e genuíno sobre os problemas econômicos em vez de ser porcaria propagandística sobre satanizar classe x ou y. Me agrada a mensagem de não se deixar corromper pelo meio, e ser virtuoso mesmo entre os arrogantes, várias das questões desse livro seriam solucionadas ou apresentadas de forma mais completa em outras obras de Dostoievski, mas no que me concebe é um bom livro;

7/10



O DUPLO(1844):Seguindo a linha de tragédia psicológica temos O Duplo, um romance estranho e difícil de entender que precede suas grandes obras psicológicas, essa por sua vez conta a história de Yakóv Petróvich Golyadkin, um funcionário público que está enloquecendo devido a uma psicose onde pensa que está sendo substituído por outro Golyadkin. A história começa quando um médico alerta que seu comportamento era perigosamente antissocial e Golyadkin então, tenta socializar mas fracassa pelo seu jeito "peculiar" de agir, uma sucessão de erros termina fazendo com que ele fosse expulso dos lugares em que frequentava, quando ele encontra a si mesmo, Golyadkin Jr que é diferente do Golyadkin normal já que este tem carisma e habilidades sociais que o Golyadkin original não tem, pouco a pouco Golyadkin Jr vai tomando seu lugar e pouco a pouco o Golyadkin normal vai desaparecendo e é ai que ele entra em um surto psicótico onde passa a ver várias réplicas de si mesmo, o livro termina com ele sendo levado a um hospício pelo seu médico.

Bién, Bién, o que dizer desse livro? É difícil entender o que o autor quis passar, existem várias interpretações e uma delas é de que Dostoiévski quis representar a loucura pela loucura, sem grandes pretensões, tal como o "diário de um louco" de Gogol, ainda sim é possível encontrar coisas interessantes nesse livro como o desparecimento da identidade de Golyadkin, como esse está procurando desesperadamente por uma identidade que o torne mais sociável e querido pelas pessoas, coisa que se materializa no personagem de Golyadkin Jr, ele possui tudo que Golyadkin primeiro desejava e ainda sim, ao passo que essa personalidade vai dominando Golyadkin, este cria uma certa repulsa sobre o duplo e termina entrando em colapso mental ao perceber que estava na verdade perdendo sua identidade, poderia ser um criticismo sobre como estamos constantemente desfigurando nossas próprias personalidades pela aceitação social? Não sei e sinceramente tenho medo de pensar nisso.

De modo que O Duplo é uma obra interessante e competente em detalhar a mente de um psicótico, as interações de Golyadkin com as outras pessoas também é interessante, sobre o personagem de Golyadkin, é bem explorado e profundo. O problema principal do livro é que parece não ter propósito, é apenas a abordagem de um louco, não há uma grande mensagem por trás e acredito que Dostoiévski poderia ter explorado mais o passado de Golyadkin e sua fase antes de enlouquecer, no caso do livro ele já nos é apresentado como louco, se fosse ao contrário seria ainda mais impactante e a mensagem que mencionei acima seria ainda mais potente. A ideia de abordar a questão das doenças mentais de uma forma mais psicológica em vez de ser em forma de escárnio também é digno de elogio, por fim considero um bom livro, mas fraco em vários aspectos e por fim;

6/10

NOTAS DO SUBSOLO(1864): Uma evolução temática significativa em comparação com suas primeiras novelas, esta por sua vez está rica e bem detalhada nos aspectos psicológicos e filosóficos, sendo uma obra fortíssima que critica os aspectos do individualismo racionalista, uma tendência que surgiu com o apogeu do ateísmo e das ideias liberais. Não é uma história fácil de ler, não que seja grande em tamanho(com pouco mais que 90 páginas) mas pela linguagem que é apresentada em forma de monólogo onde o protagonista escreve as coisas que pensa. Notas do subsolo conta a história de um homem amargurado e isolado da sociedade, que vive da aposentadoria em um subsolo insalubre onde vive sem amigos e isolado completamente do mundo. A primeira parte o homem do subsolo(não possui nome) narra sua trajetória e seus pensamentos de forma desconexa onde exprime toda sua raiva em relação à sociedade, criticando a religião, a ciência e tudo mais, refletindo sobre o despropósito que estava sendo sua vida nos últimos anos.

Dentre os temas mais importantes cabe destacar o niilismo, que é amplamente criticado nessa obra através do personagem do subsolo que, se distanciando do mundo e das pessoas no geral, estaria vivendo a filosofia individualista que era tão pregada na época em que o livro foi escrito. O niilismo levou ao homem do subsolo criar para si, um sistema de valores próprios onde ele não tem que se preocupar com ninguém, aliás, lidar com pessoas para ele é muito trabalhoso, no entanto essa carência de contato humano fez com que o homem do subsolo experimentasse um profundo vazio e carência de afeto. No fundo ele se sente vazio e deprimido, ele também se odeia porque ninguém deseja sua presença, coisa que ao longo da novela é demonstrado que ele mesmo causou esse isolamento. Sua falta de contato com as pessoas o levou a criar tendências egoístas e mesquinhas. Ele é amante do próprio ego ao mesmo tempo que reconhece que é um estúpido, que faz sua mente ferver em um sadismo masoquista.

O livro é um dos mais complexos, senão o mais complexo já que se trata de uma distopia moderna, mostrando os efeitos do individualismo extremo, da falta de empatia e acima de tudo é uma crítica ao niilismo ocidental que se alojara na Rússia, é um livro perturbador e macabro, não por ter elemento de terror ou coisas do tipo, mas pela exatidão que possui. Já conheci uma pessoa que tinha essa ideia de egoísmo racional e é bizarro a alienação que essas filosofias causam nas pessoas, alguns são assumidamente adeptos de comportamentos sexuais bizarros que nem posso mencionar aqui, e o pior é que vejo a cada dia que passa mais e mais pessoas nessa condição de alienação. Serve de lição para esses que se dizem defensores do fim do Estado e das relações sociais(ancaps e mgt0ws) ou esses 1ncels de quarto que cultivam comportamentos e ideias hedonistas e altamente antissociais(como romantizar massacres ou outros crimes). Em alguns casos caem em outras armadilhas como o vitimismo ou o identitarismo que pode desenvolver contornos mais depressivos ao invés de narcisistas.

De maneira geral essa obra é espetacular e um prato cheio para os que gostam de estudar a mente humana e, ao mesmo tempo é um livro pesado pelas implicações e lições que passa, o final é bastante pessimista e mostra que uma vez chegamos no estado do homem do subsolo, não há mais retorno, ao mesmo tempo que está cheia de referências e críticas ao estado político da Rússia nesta ocasião, sendo uma obra além que transcende o literário e se converte em um autêntico relato histórico das tendências sociopolíticas. É ao lado de Brave New World uma distopia moderna que vai na contra mão dos ideais liberais e fora que esse livro inspirou Táxi Driver então é um grande achado;

9/10

CRIME E CASTIGO(1866):Sua obra mais popular e uma das mais marcantes, sendo o primeiro dos 5 romances da maturidade, que foi quando Dostoiévski saiu da prisão na Sibéria e voltou a escrever. Seu primeiro romance fora da prisão conta a história do estudante de direito Rodion Romanôvich Raskolnikov que vivendo na miséria é obrigado a abandonar o curso e seguir outra profissão, desesperado e com delírios de grandeza se achando o sucessor de Napoleão termina matando uma velha usurária para tomar-lhe o dinheiro para prosseguir na faculdade de direito. O primeiro aspecto que podemos mencionar dessa obra é em relação ao sentimento de culpa e a ideologia de Raskolnikov.

Sendo Raskolnikov um rapaz inteligente e bonito, ele não aceita sua condição e movido pela ideia de que os grandes homens podem superar o sistema moral vigente e criar o seu próprio. Termina ele caindo em uma espiral de culpa por ter se permitido cometer tal atrocidade, revelando que ele ainda estava inclinado na moral cristão e por consequência estava arrependido. Sua falta de esperteza termina entregando aos policiais que ele era o criminoso, no fim ele é pego e enviado à prisão, lá ele se arrepende do seu crime com uma cena final abraçando sua amada(Sonya) que é simbolicamente a representação da virgem Maria redimindo os pecados.

O livro é um dos mais interessantes do autor, ao girar em torno de um crime e de investigação policial ala Sherlock Holmes só que desde a perspectiva do criminoso, Raskolnikov é um personagem bastante psicológico(como todos dele) e está bem justificado como protagonista já que tinha necessidade de fazer o que fez, óbvio que o livro não justifica de forma moral o que ele fez, apenas de forma racional pois seria ridículo dizer que alguém merece morrer apenas porque é usurário, uma motivação parecida com a de Kira, de que gente merda merece morrer, a diferença é que o Kira queria fazer para melhorar o mundo, Raskolnikov queria por um desejo egoísta, o que não justifica de todas as formas já que dá razão ao pensamento de que "posso prejudicar os que sofrem menos que eu" raiz de todos os erros humanos, em poucas palavras, a inveja.

É interessante alguns criticismos sobre o livro, de que dá mensagens ruins ao redimir um criminoso dizendo que todos os criminosos podem se arrepender e carregam a culpa dentro de si ou que mostra personagens que são inclusive mais pobres que Raskolnikov e não cometeram nenhum homicídio. O problema com esses criticismos é evidente, primeiro de tudo, o livro não está dizendo que todos os bandidos possuem redenção e que carregam consigo a culpa do que fizeram, a própria história mostra no personagem de Svidrigailov, um sujeito tal como Raskolnikov, que matou, estuprou e cometeu várias atrocidades e não se arrepende de absolutamente nada, seu estado de degradação não tem mais solução e o personagem é um alerta para Raskolnikov. Sobre o segundo criticismo, não é porque existem pessoas miseráveis que estas serão assassinas como Raskolnikov, se fosse o caso estaríamos em maus lençóis.

O livro é muito bom mas seu final deixa a desejar e possui um Time Skip que ignora a redenção de Raskolnikov na prisão, todavia é um livro nota;

8/10


O JOGADOR(1867):Depois da pedrada que foi Subsolo e Crime Castigo seria bom algo mais leve e menos pesado no? O jogador foi escrito após Crime e Castigo e possui toques autobiográficos ao representar uma parte da vida de Dostoiévski, este por sua vez era viciado em jogos de azar e tinha sérios problemas quanto a isso, se endividando e tendo vários problemas com as editoras que exigiam a entrega de suas histórias em um tempo ridiculamente curto, coisa que certamente afetou essa entrega no? Na verdade não tanto, é um livro curto contando com mais ou menos 150 páginas. A história gira em torno de Aleksei Ivanovich, um viciado em jogos de azar que passa os dias em um cassino na França, Aleksei está apaixonado por uma meretriz que lhe trata como capacho. O plot da história gira em torno de como Aleksei vai gradualmente perdendo a noção do tempo e da vida, reduzindo sua vida aos jogos.

Dostoiévski representou através do protagonista os problemas relacionados aos vícios e ao hedonismo, mostrando como o vício isola a pessoa de si mesma, esquecendo de si e se perdendo em uma espiral de prazer desordenado e usura. Ele logrou representar com perfeição antes de qualquer filme de hollywood, como funciona os cassinos e a malandragens por trás. Apesar de estar bem ambientado e contar com personagens interessantes, a história é um tanto curta e os temas são explorados apenas superficialmente, não é um estudo profundo sobre a psique de um viciado ou uma tragédia bombástica como Casino do Martin Scorsese, é mais uma história sobre cassinos com uma moral simples por trás.

Consequentemente não é uma obra complexa, porém é genuinamente divertida e agradável de ler, não tem esses entraves psicológicos e diálogos profundos com implicações filosóficas, e aparentemente inspirou o filme Casino, do qual eu recomendo bastante;

7/10


O IDIOTA(1869): voltando aos romances densos e psicológicos, temos O Idiota que é mais uma obra com tons autobiográficos, dessa vez o personagem deve ser um criminoso? Um viciado? um Psicótico? No, o protagonista da vez é um rapaz bom e humilde que ajuda a todos e tem um grande coração, pode soar meh e confesso que pensei em dropar o livro, dei uma chance e confesso que foi uma experiência interessante. A história gira em torno de Liev Nikolaevich Míshkin, um parente distante de uma generala que através dela ele procura se estabelecer para conseguir um emprego. No meio do caminho o nosso protagonista termina se envolvendo com o pessoal da família de Lizaveta Prokofievna, que são um bando de cretinos de má índole. Míshkin também acaba se envolvendo com Nastássia Filipovna que estava noiva de Rogojin, este por sua vez cria um ranço de rivalidade com Míshkin e o final bién, é Dostoiévski então presuma que não terminará bem.

Com Míshkin, Dostoiévski quis criar um personagem genuinamente bom de coração, de maneira a não torna-lo inconveniente ou chato, um personagem que fosse agradável ao mesmo tempo que é bonzinho, algumas resenhas que li sobre, afirmam que Míshkin seria simbolicamente a percepção do ideal cristão promovido por Dostoiévski. Sendo Míshkin um personagem de índole mágica, seu caráter é puramente bom. Sobre o nome "O idiota" apesar de soar sacrílego chamar um personagem que representa o cristianismo de idiota, há um motivo, o motivo é que todos ao redor de Míshkin são patifes, materialistas, mesquinhos e de natureza ruim, por consequência o caráter deles é incompatível com o de Míshkin, fazendo com que eles o vejam como um tonto. Apesar disso Míshkin tenta ver o lado bom de todos ao seu redor, por mais canalha ou mal intencionado que os outros sejam.

Seu personagem possui nuances psicológicas que beiram o existencialismo com indagações interessantes acerca da natureza humana, sobre se vale a pena ser bom em um ambiente tão ruim e medíocre, me referi aos personagens secundários como cretinos unidimensionais mas a verdade é que todos(grande parte pelo menos) possuem um certo grau de exploração psicológica, com Rogojin sendo o oposto de Míshkin, ateu, violento e com tendências assassinas ele tenta por vezes rebaixar Míshkin não por maldade mas por inveja pelo mesmo ter despertado o interesse de Nastássia Filipovna onde pouco a pouco vai demonstrando facetas mais humanas. Nastássia por sua vez é a personagem mais complexa da obra, sua figura representa o reflexo de uma vida carente de valores e de amor sincero, por ser de família nobre e dotada de beleza, termina sendo alvo de vários homens interesseiros que se aproximam ou pela sua beleza ou pela sua riqueza, coisa que a torna bastante cínica em relação as pessoas, sendo fria e em momentos até sádica, com ares de Asuka. Sinceramente seria mais interessante se fosse ela a protagonista.

Sobre a obra, os personagens estão bem explorados apesar de que em geral permanecem estáticos em relação as suas personalidades, Míshkin tem um final um tanto trágico mostrando que a bondade também possui consequências, não que o livro esteja dizendo que a bondade é na realidade algo ruim, muito pelo contrário, nos mostra como a falta de amor e o materialismo são danosos ao ser humano, com Míshkin, Dostoiévski quis mostrar a beleza do ser humano, de como devemos inspirar bons valores nas pessoas. Todavia o livro é desnecessariamente longo e o diálogo é demasiado arrastado, detalhando em coisas que não são necessárias e grande parte do romance é parado de modo que algumas partes são bem entediantes;

7/10


O ETERNO MARIDO(1870): Uma novela sobre um boêmio rasteiro e adúltero que pratica atos libidinosos com várias mulheres e... Bueno só, não há uma grande mensagem por trás e tão pouco tem um plot interessante, é apenas a história de um boêmio adúltero que cruza com um dos homens que corneou e este decide se aproximar dele por achar que ele é o pai de um filho que teve com a mulher que teve relações com... Ok, tentei tirar alguma lição ou mensagem ou mesmo algo de útil dessa novela mas é só isso. Vejo interessante abordar o tema da infidelidade conjugal de forma negativa e quiçá algo mais profundo detalhando uma relação amorosa mostrando como esse estilo de vida é ruim, o livro não romantiza e condena o comportamento de Ricardão mas sabe, não é o suficiente e a história toma um rumo meio estranho depois de umas páginas, de modo que não me deixa muito o que falar;

5/10

OS DEMÔNIOS(1872): Com o eterno marido poderíamos estar presenciando a decadência e o fim da inspiração de Dostoiévski onde o autor repetiria tramas e seguiria algo mais convencional ao invés de seguir a linha das novelas psicológicas no? graças a dios não é o caso e a prova é Os Demônios que entre outras coisas previu a revolução comunista na Rússia. Desde de cara a história apresenta um cenário de decadência cultural onde os liberais tomaram de conta, com a proliferação de ideias niilistas e anti-nacionalistas que carrega consigo um servilismo evidente pelos europeus, coisa que Dostoiévski odiava e tratou de criticar em seu livro, denunciando os erros e o caminho que a Rússia estava trilhando. O livro gira em torno de um professor de letras chamado Stepan Trofimovich Verkhovensky que vive sob os favores de uma generala viúva, dona de terras chamada Várvara Stravoguina.

Stepan é um sujeito manso, bobão que carece de masculinidade, não por ser homossexual mas por ser um emasculado que vive sob a tutela de Várvara que exerce o papel viril da relação, ela confia a Stepan a educação de seu filho Nikolay Stravoguin que é treinado por Stepan para ser o cabeça de uma revolução futura. Stravoguin cresce sob a influência das ideias utópicas de Stepan e desenvolve uma ideia de ateísmo e amoralidade que em si termina lhe influenciando a viver intensamente para os prazeres da carne, dormindo com várias mulheres e virando um alcóolatra, com Stravoguin, Dostoiévski quis criticar o hedonismo e a decadência espiritual gerada pela falta dos valores cristãos. Stravoguin é o personagem mais complexo da obra, tanto que tem para si um capítulo especificamente para falar de seu final, onde ele confessa um crime macabro que não citar para não estragar a experiência(sendo que já estou contando todo o livro duh).

O filho de Stepan, Stepanovich Verkhovensky, criado distante do pai é um genuíno sociopata, manipulador e egoísta, ele é a representação máxima da decadência moral provocada pelo secularismo, sendo alguém desprovido de moral ou de qualquer critério lógico sendo movido apenas pelos ideais revolucionários de seu pai, de uma forma mais simples e didática: Stepan é o PSDB e Stepanovich é o PT, um representa a social democracia e o outro representa os ideais marxistas revolucionários, sendo um a evolução do outro. Com Stepanovich, Dostoiévski quis representar o lado mais maligno das ideias revolucionárias, mostrando as atrocidades das quais são capazes de cometer, tal como um khmer vermelho da vida ou os bolcheviques russos.

O livro é uma sátira do cenário político da época onde Dostoiévski destila sua raiva contra os pensadores que importavam do exterior ideias que ferrariam a Rússia anos mais tarde. Esse é o livro que basicamente imortalizou a obra de Dostoiévski já que de forma escatológica previu boa parte do que ia acontecer no século 20, Stepanovich na ideia de criar uma revolução, incendeia uma favela para gerar o caos e assim conseguir o despertar revolucionário do povo, me lembra de um certo psicopata russo que pregava aos montes que o povo deveria se rebelar contra as autoridades? És solo coincidência.

Assim como 1984 e Revolução dos bichos, é uma distopia que está aí para alertar as pessoas dessas ideias igualitárias e das consequências delas, só que Dostoiévski tem o mérito de ter desenhado isso antes de ocorrer. Não é um romance perfeito e tão pouco é o melhor que ele já escreveu, sua estrutura é usualmente difícil de entender porque o narrador também é um personagem dentro da história e esse narrador varia de acordo com as circunstâncias, de modo que é bem fácil se confundir e creio que é assim como "O Idiota" é longo demais, ao menos há uma justificativa, os personagens estão ok;

ps:um dos primeiros livros que eu li dele e um dos primeiros que eu abandonei, até que li novamente e aqui está a nota;
ps:livro favorito do Olavo de Carvalho;

8/10

A DÓCIL(1876):A partir de aqui a obra de Dostoiévski vai ganhando contornos mais profundos e quase que totalmente psicológico e obscuro de modo que não há como continuar lendo sem essa compreensão. Com uma forma similar a Notas do Subsolo, aqui estamos diante de um narrador que descreve uma situação peculiar, sua esposa de 16 anos se suicidara e ele passa então a refletir sobre o que levou ela a cometer o ato. Durante a narração ele passa a descrever sua relação com ela e revela uma relação complicada no sentido de que quase não havia diálogo entre os dois, era uma relação de frieza e falta de contato, algo que o autor criticou em várias ocasiões. Aqui nos mostra um relacionamento conturbado e sem amor onde o narrador descreve uma profunda solidão e insegurança emocional do jeito que só Dostoiévski sabia fazer.

O drama é por vezes forçado e por vezes compreensível, diria que é um misto de problemas e questões que Dostoiévski tentou alertar várias e várias vezes, que nos faz retornar a questão do amor ao próximo e como a indiferença e frieza podem corroer as relações, o narrador é alguém com sérios problemas de natureza psicológica e muitas das coisas ele propositalmente oculta como se fosse realmente uma confissão. Diria que não é a representação das inseguranças do autor porque se pegarmos por essa linha, todos os seus personagens podem ser representações suas e seria uma mistura estranha e sem conexão, acredito que ele era mais um escritor hábil do que um psicótico, paranoico, antissocial com tendências perigosas, não parece seu perfil(ou não, pra mim ele é um mistério).

Os temas estão bem colocados e é um dos contos mais bem escritos dele, o problema é justamente por ser um conto é que limita uma análise mais profunda da obra;

8/10


SONHO DE UM HOMEM RIDÍCULO: Mais uma pedrada pra acompanhar a depressão, o sonho de um homem ridículo é um conto de mais ou menos 60 páginas onde Dostoiévski esmigalha o ateísmo e o niilismo através do narrador(sem nome) que tal como o homem do subsolo, também tem tendências isolacionistas. A diferença entre o homem ridículo e o homem do subsolo é que um é um niilista narcisista(homem do subsolo) e o outro é um niilista depressivo(Homem ridículo) ambos se complementam.

A história do conto começa com o narrador(homem ridículo)contando que se odeia e que deseja profundamente morrer, descrevendo sua vida como um amontoado de tristeza e insegurança, com o homem ridículo sempre distante das pessoas, sendo frio e revelando um certo desprezo pelos outros, tudo muda quando ele se vê passeando pela noite vê uma estrela brilhante no céu e interpreta aquilo como um sinal de que deveria se matar, é então que ele acaba cruzando com uma criança que parecia estar perdida, a criança pede ajuda ao protagonista mas este apenas ignora e foge para o seu apartamento onde saca uma pistola e decide que vai se matar, no entanto sentado no sofá com a arma apontada para a cabeça ele começa a pensar em sua vida, refletindo sobre como sua vida foi cíclica e que o mundo era pura tristeza e solidão.

O protagonista então com a arma apontada para a cabeça passa dormir e tem um sonho, nesse sonho ele é levado por uma criatura mágica que parece ser um anjo, ele viaja pelo espaço e é levado a um planeta parecido com a Terra, esse planeta está habitado apenas por homens, é um planeta perfeito, não há guerras, nem sofrimento nem tristeza, o homem ridículo é levado pelo anjo para o planeta, lá ele conversa com os habitantes, todos veem nele algo exótico, tentam agrada-lo e deixa-lo feliz. O protagonista já no planeta tenta descobrir o sentido de tudo isso e é então que se lembra de sua vida e de toda a sua tristeza, sua depressão persiste e então que ela começa a afetar os outros homens do planeta, esses homens passam a sentir inveja e desejo de conhecer o homem ridículo, ele tenta se esquivar dos homens e isso desperta um interesse de inveja nos outros e termina causando uma briga, de repente o homem ridículo percebe que suas ações levaram ao pecado aquele pacífico mundo.

Em poucas palavras, o homem ridículo agiu como uma espécie de serpente do éden, as implicações disso tudo é ainda mais interessante pois ensinou ao homem ridículo que o problema não estava no mundo mas sim nele mesmo, que ele mesmo, por sua falta de empatia e amor ao próximo, caiu em uma espiral de depressão e tendências suicidas. Oh boy, o que dizer desse conto, é o melhor conto dele e o que conta com mais temas existenciais, é quase um compendio de tudo que Dostoiévski escreveu, um compendio de 60 páginas apenas. O final é que o homem ridículo volta a si e percebendo seus erros corre para fora para ajudar a criança que ele havia ignorado, com um final esperançoso, diferente do Homem do subsolo e do Homem Duplo;

9/10(genial)


IRMÃOS KARAMAZOV(1880):Sua última pedrada antes de morrer, uma das mais fortes, Irmãos Karamazov conta a história de uma família disfuncional que foi fruto de vários divórcios e malandragens por parte do patriarca Fyodor Karamazov, que é descrito como um alcóolatra boêmio e ateu que professa a ideologia de que não existe moralidade e que o cristianismo está cheio de contradições, usando até de textos bíblicos para provar o seu ponto. Por outro lado temos os seus filhos que são mais ou menos parecidos em mentalidade mas distintos em personalidade, temos Dimitri Karamazov que é mais impulsivo, ciumento e hedonista, temos Smerdyakov que é basicamente Dostoiévski de outra realidade, sendo descrito como uma figura desprezível, doente e com certo olhar de servilismo e um sorriso que revela um mau caratismo oculto, temos Ivan Karamazov que em poucas palavras é Raskolnikov 2 ele pensa como seu pai, é ateu, professa a amoralidade e que as regras podem ser subvertidas.

Por fim temos o único filho que não é mau caráter, Alyosha Aleksei Karamazov que é o mais manso e humilde dos irmãos e o único cristão, sendo criado em um templo da igreja onde moldou seu caráter em torno dos ensinamentos do padre Zósima, outro importante personagem. Quando Dostoiévski escreveu Irmãos Karamazov, tinha a ideia de criar sua master peça antes de morrer, uma obra que marcasse seu legado como escritor(apesar de que já havia feito isso), de modo que o livro é em primeiro lugar, LONGO, contando com quase mil páginas onde ele detalha com maestria a psicologia de cada personagem de modo que é possível entender a ideologia e os pensamentos de cada um deles, cada um tem uma visão distinta e estão dotados de engenho que faz com que conectem entre si.

O fato de ser grande é pela primeira vez justificado, nos outros trabalhos de Dostoiévski era notável que ele estava arrastando a história para que aparentasse mais conteúdo, contudo em Irmãos Karamazov o tamanho é justificado pela complexidade psicológica que possuem os personagens, simplesmente não tenho o que criticar, todos estão bem justificados e todos tem algum grau de relevância para a história, há muito pouco o que criticar, apesar de que tentei achar erros. Sobre as mensagens e a filosofia da obra é simplesmente fantástica e concordo com quase tudo, quase tudo porque discordo da visão de Dostoiévski acerca do catolicismo, creio injusto até, mas nada que ofusque o brilho da obra.

A mensagem geral da obra é sobre a perda dos valores cristãos e as consequências disso, as consequências da falta de amor, de paternidade e de como os vícios podem destruir não só o viciado como todos ao redor, mostrando de forma crua os problemas do hedonismo, explorado com a mesma competência de outras obras de sua autoria. Plus! Dostoiévski conseguiu finalmente criar um personagem bom de coração e realista. Irmãos Karamazov é por vezes grotesco e seco no que concerne a sua trama já que envolve temas mais sérios da fase mais reflexiva do autor, lhe daria um 9/10, apenas pelo final que não considero tão bom, contudo, considerando tudo que Dostoiévski escreveu, sua filosofia, obra e trajetória de vida, me vejo obrigado a dar uma nota digna de obra prima;

10/10(pedrada)

Finalizo que Dostoiévski é por várias razões, o meu autor favorito, é um desses autores que é difícil de deturpar porque ele fala abertamente sobre o que está escrevendo não deixando espaço para dúvidas, ainda sim existem algumas figuras toscas que tentam reduzir sua obra a propaganda pacifista contra "barbárie" e pró-socialismo, quando ele era abertamente contra o igualitarismo. A triste realidade para os russófilos amantes da ditadura vermelha é que Dostoiévski estava mais para um nacionalista cristão de tendências fascistas. Felizmente ele não viveu suficiente para ver o que a Rússia se tornou, um antro de corrupção controlado por ateus megalomaníacos. Parte de sua obra me influenciou a levar mais a sério as questões religiosas, li ela em um momento do qual estava afundado em niilismo e em ideias ruins que me não me levaram a lugar nenhum, de modo que coisas como "Sonho do Homem ridículo" me ajudaram bastante a superar esses pensamentos. O melhor romancista cristão que tem. 

Ranking:

1-Irmãos Karamazov
2-Notas do Subsolo
3-Sonho do Homem Ridículo
4-Crime e Castigo
5-O Idiota
6-Os Demônios
7-O Jogador
8-O Duplo
9-Gente Pobre
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Added by Magnifik
2 years ago on 17 May 2022 05:36